











O AMOR DA ALMA
I
O melhor caminho é a sabedoria dos magos, dos paranormais, dos desajustados. Do esquizóide, do seu templo de glórias. Luz. Elevação. Amor que vale por cem. Deveríamos querer a docilidade da selvageria no meio desse pandemônio de pedra, de aço fosco. O ser humano é um fracassado que faz barulho por onde passa. Calo eu a vista na Terra e percebo o verme que somos.
II
A calma é o estágio divino do homem, o descanso e a satisfação plena. Eu posso gostar do meu pé gelando. Da imensidão turva da neblina à minha frente: a paisagem de silêncio ensurdecedor. Eis um silêncio sem dor, imaculado. Saio da escuridão assassina das esquinas e mergulho com os olhos esbugalhados no oco ensolarado gritando um sorriso pra mim mesmo.
III
Eu tenho tido medo da morte, dormido com o seu fantasma que me leva a buracos degradantes, humilhantes para meu cérebro desacostumado com desgraças; já tão cansado delas. Que o grande bem seja o despertar da lua mágica, o meu caminho que virá. Eu não quero cair na infelicidade. É preferível cair de louco e elevar a alma com a madrinha e tia dor. Eu prefiro morrer drogado, estatalado em poesia.
IV
No meio da noite eu consegui viver de novo o disparate. Meu olhar se locomovendo a todos os impulsos. Minha vida sendo um risco. Na corda bamba da noite bêbada, onde não se pára pra pensar nos resultados das palavras. Elas expressam a palavra final, a verdade absoluta, a razão apaixonada.
V
Este homem lapidado, diamante puro, joga a tóia do cigarro com destreza comum à sua raça. São enormes os seus goles de cerveja e indiscutíveis. Nele você pode perceber a nitidez do sentimento pulsando. Talvez ele consiga lhe amar se você reparar bem nos seus íntimos detalhes. Veja como ele se veste, como é forte a sua vontade e como faz roleta-russa à todo instante! Com isso ele quer dizer que é só passageiro, é viajante. Que preza o momento, o agora. O estar vivo e não ter rédeas, os cabrestos da humanidade esfacelando a sua vida.
VI
Ele chegou. Seus cabelos delineados no dorso. Um corpo forte na camiseta de vagabundo, no desbotado de sua calça. Mas sua vida raiava em luz. Que peitos havia ali! Quantos choros, quantos gritos, quanta descrença. Ali estava uma vida única. Ninguém havia senão um só. Dono do próprio destino, dono do próprio desastre. Amante eterno, vivo pra sempre, monstro da beleza.
VII
Recordo então suas palavras cambaleantes. Sua fraqueza à minha frente. E eu tentando ser humilde, menos que você. Tudo isso para lhe conquistar. Pra beijar além da conta sua boca. Para além do beijo humano. “Quem tem razão?” – você a elegia pra si e eu não sabia mais com quem ela estava. Como achar razão em Dante, em beat, em sobrenaturais? Como fazer um anjo entender o meu amor por ele? O que fazem os anjos aqui na Terra senão gerar prazer e dor?
VIII
Quando a minha paixão entalava na garganta, a dor prendia a respiração e você nem se virava. Como se não reluzisse no seu, o meu rosto pegando fogo. Talvez a falta de um detalhe em mim... Eu sempre achei que você me via pelas costas porque não conseguia me olhar de frente. Eu poderia lhe seguir aonde fosse. Eu poderia nunca mais deixar de lhe cultuar, realizar minha vida olhando a sua. Meu grande amor, meu bem maior. Até hoje ainda penso em sua boca, sua língua, sua cor.
IX
Amei o mar num êxtase de contemplação e cumplicidade. Vivi dentro dele. Horas e horas olhando o sol, boiando. Tardes levemente drogadas de paz ardente e, por isso, de frêmito, de agonia. A felicidade agonia. O mar quebra em tufos de flores brancas e se espraia suave pela espuma. A água viva. A água tem corpo e alma. A natureza em que se constitui tem a força da vingança justa. A doce vingança dói e chora.
X
O meu amor foi embora e levou de mim a sua vida. Os seus ouvidos, seus elogios. Levou de mim a sua carne e o seu filho. Levou de mim seus benefícios. Carregou sua coragem para longe. Sua aventura desatinada, seu desespero de amar. O meu amor foi sem ir e virou zumbi. Virou seu amor pra outro bem.
MANIFESTO PARA A NOVA ERA
(Para Luiz Cláudio Castello Branco)
É que o céu esconde mais que azul. É que o Cosmo move-se interligado. É que cada um é responsável pela rota do Universo. É que é muito mais que sério, é vital!!! Agora, quem vai ter os pés na cabeça simbolizando a perpetuação do caos e a cabeça fincada na Terra, para receber as emanações dos elementos naturais, numa última tentativa de salvação já que o mundo está funcionando em total desarmonia? O meu coração lastima a decadência humana. Eu quero uma vingança da natureza, uma tempestade decanal pois sou um todo que começa no homem e termina no infinito. Sou homens magros, mulheres esbeltas, gordas cozinheiras, negros e brancos e ricos e pobres e velhos e velhas e velhas bichas e travestis e santos e belos. Sou montanha fixa há quinhentos anos, rio que nunca é o mesmo, peixe silencioso, mares azul-turquesa, gaivota voando rasante, energia e vibração de pedra. Sou vento de furacão, ciclones em espirais, árvores estáticas, horizonte abstrato ao pôr-do-sol, chuva que nunca para, inundações no fim do mundo, silêncio absoluto. Sou o amor e a dor ao mesmo tempo. Dôo-me instintivo e escrupuloso pelo Homem, que não. O que faço aqui, no meio da morte humana, do mundo em chamas, do nada em que se transformou o viver? Roendo os ossos das brincadeiras e das leis que nunca cessam de prejudicar o que olhos e mentes vislumbram: a existência de tudo?! Que leis são essas? Que povo é esse, dividido entre os que destroem e os que calam seus anseios permitindo a destruição? Que raça é essa que se articulou em grupos fomentadores do egoísmo em detrimento da coletividade? Quem esqueceu, perdeu a chave, não quis abrir a porta da verdade que esconde a o maior segredo da humanidade criado pelos detentores seculares do poder! Qual o tamanho real do amor do homem? Alguém que ama mata de fome, de tiro, de eletro-choque, de reclusão, de tristeza, de ódio, de desamor, de solidão, do coração? Quem ama mata mesmo o objeto amado é de abnegação enauseante, sufocante. E a sensação do desejado é a de um torpor dionisíaco em noites de luxúria com Baco. Quem ama promove o bem-estar azulado na alma ou a cor que seja a vida para cada um. Como alguém pode controlar a febre de cores do amor? Nenhum regime político o privilegia. Qual a graça do Capitalismo, do Comunismo, do Socialismo, onde alguns se bronzeiam sob o sol refletido do vil metal e a maioria enegrece com Lilith, que derrama seu véu sobre dias e noites? De quantos cancerosos emocionais e mortos-vivos de hospícios e solitários infelizes e drogados de picos e picas e xoxotas e nenhures e algures; de quantos precisaremos para dar um grito, um grito de força, de faca afiada, de voz empostada, de dizer o que pensa, de explicar o que sente, de acender sua flama, de fazer brilhar a razão que expõe o inconsciente desejo coletivo de felicidade na mais alta harmonia de uma cítara com o vento? Na força e no cheiro de terra tão bravo e tão calmo quanto os ventos que lufam Luli e Lucina? E a Era, e a Era? Onde esta minha Era, onde está minha casa, onde estão meus travesseiros, eu quero dormir em paz! Cansei de voar sozinho pelos céus que a raça humana despreza. Eu cansei das ruas solitárias madrugada a fora, onde os transeuntes nada querem saber da melodia da brisa da madrugada, da beleza dos reflexos das luzes nas copas das árvores, ou das vias asfálticas destituídas de carros e imperativas por si sós. Eu cansei das noites em frente à TV, que geralmente transmite temas medíocres, com seu jornalismo de guerra em detrimento da paz sonhada. Programações nada preocupadas com a profundidade empírica e espiritual, com a harmonia continental nem com a igualdade entre os povos. Sem contar as drogas publicitárias que vendem, vendem e enchem de dinheiro os bolsos dos donos do poder. As regras do Poder Político é a culpada! A capitalização da Religião é a culpada! Ah! Pra que dono?! Pra que fome? Pra que tudo isso? Eu cansei de fumar maconha pra levitar, pra afastar você, pra facilitar, pra felicitar, pra interiorizar, pra amar, pra viver, pra morrer de amor. Ah! Não! Eu quero de cara! Eu posso aqui! Já nem vejo mais vibrações de silhuetas brancas em forma de energia bailando na imensidão cósmica, nem viajo mais em Láctea e outras vias! E das belas paisagens que só eu criei, conheço e que prá lá fugi, cansei! Temos que voar juntos! Quero levar minha raça para longe! Eu quero salvar, dizer de que de nada vale esperar! Vale levantar a bandeira da paz, a verdade da matéria, a verdade do espírito, a verdade da harmonia! Ah!!! Poder berrar de morte na cara do homem para que ele venha! Venha, venha, venha eu te amo, eu te amo minha raça surda! Livremo-nos deste nojo, deste fedor, desta podridão! Ouve-me! Vamos criar contatos imediatos com os deuses em qualquer grau que seja o amor e a força de ir, de crescer, de se elevar mas... juntos! Ninguém pode ficar parado. Estamos sendo destruídos! Preciso me juntar a ele que sorrir, que levou flores na alma, na mão e que se tornou bancário, escriturário, mercenário, vigário, operário, punk, suicida, alternativo. Que o homem peneire o poder tradicional, deixe de ser tolo! Ah! Será que é de mais uma guerra o impulso para a vida? Que burrice é essa? Eu quero que saiamos já gritando pelo mundo, pelo negro, pelo branco, pela árvore, pela Terra, pelo ar, pelo fogo, pela camada de ozônio, pelas geleiras, pelos metais, pelas pedras, pelos mares, rios, cachoeiras e cascatas, pelos animais! Pela vida de quem fez o que agora você desfaz minha raça suja! Me leva, minha raça! Desejo ouvir frases belas, vamos sair com frases belas na boca... boca de rosas. Rosas que o mundo tem que aguar antes que a Terra torne-se uma poça de sangue jorrando no Universo entristecendo o Cosmo e mudando o rumo natural para uma ciclicidade destruidora. Sou forte como uma flor, sou forte como uma rosa. Estou ficando fraco, tudo dói, adoece. Cansado e preguiçoso, não vejo a luz. Nada mais me alegra... a vida social me enche o saco! Escravo do trabalho, escravo da matéria, da moral e do comportamento que lobotomiza a selvageria. Todos presos num neurótico emaranhado que exila a felicidade até a arte escraviza nossas almas! Eu não quero ver as rugas no meu rosto, no meu corpo nem sentir mais o peso que carrego, o peso que carrego em minhas costas por causa de você minha raça fútil e obsoleta. Eu enchi da sua sordidez sem sentido! Merda!!! Será possível que a graciosidade e o descanso sejam apenas privilégios de poucos? E eu respondo com a mais pura verdade seja ela absoluta ou não: Nãããããããããoooo!!! Nenhum de nós pode aceitar a risada cínica dos poderes e os acordos e desacordos sórdidos dos continentes. Ah! Ginsberg, onde está você? Eu quero o seu Uivo, a força dos beats, dos hippies e a lucidez dos loucos batendo na cara do mundo! Os índios, os magos, as bruxas, os orixás, os iniciados, os esmoles, os abandonados, os revoltados, os boêmios, os amantes apaixonados, as crianças, os vedas, os maias, os incas, os anarquistas, a antiga civilização egípcia, a astrologia, os andróginos, a filosofia grega, os extraterrestres, Jesus, Osho, os holísticos, os esquizofrênicos, a filosofia oriental, os altistas, os músicos, os poetas, os bailarinos, os pintores, os literatas, os cineastas, os ecologistas, os antropólogos, os xamãs, Zaratustra, todos que foram calados, queimados, assassinados, desmoralizados, apedrejados, crucificados, esquecidos, internados em asilos psiquiátricos, todos reunidos para fazermos valer o nascimento de um novo mundo!!! Quem é você que fala em misticismo? Quero viver milhões de beijos, de seixos, de brincos de viúva e as cores puras de amor. A beleza de ser total, radical, pra vencer e finalizar minha própria cor. Pra não ser mais um que bebe nos cristais roubados e come pedras preciosas para alimentar o ego fantástico. Que cheira cocas fúteis por tédio nos deques de frias e cruéis piscinas cintilando um azul efêmero e ignóbil. O místico em nossa era pra gritarmos universalmente, pra mantermos elos indestrutíveis sob e carcomendo a volúpia do poder mundial. Pra mantermos contatos que traduzam um amor roxo, roxo, roxo de esperança! Esperança que a Raça Humana possa levar à boca cachos de uvas verdes em tronos escarlates e dourados de leveza. E, como as folhas, sorrir com o vento ao olhar o balé dos campos bucólicos. Descansar em arejadas tendas brancas cheias de almofadas cintilantes. Que a Raça Humana possa regredir na maldade, no egoísmo, na ambição e equilibre razão e emoção. E beije, e goze, e sorria, e sonhe, e embeleze, e morra menos de insatisfação por ter em si uma amplidão de amor e beleza e não encontrar na Terra o seu espelho eis que tudo gira em torno de dinheiro. Matam os amantes da vida toda vez que tentam falar de amor com intuito de regenerar a raça humana e de salvar o planeta. Porque ele continua ignorante? Esses amantes são anjinhos, são pequenos deuses da poesia, num mundo em que ser deus não significa nada, e não é muito difícil destruí-los. A religiosidade que prega a igualdade e luta por isso ou se faz cumprir passa ao largo do Poder Político. As que estão imperando permanecem mortas e prisioneiras do vil metal. Deus é tudo e são todos. E eu jogo minhas pedras preciosas em forma de pétalas rosas que tecem auréolas sobre as cabeças humanas e oferto sem saber a quem todos os meus bens que vertem a mais íntima verdade, vontade de doar e vaidade de ser e poder receber e poder me levar como água límpida de riacho passando por paisagens e umedecendo pedras e musgos. Me deixar correr por entre as idéias universais e beijos na humanidade que é o mesmo que beijos na boca do mundo, do Universo na minha boca. Quero que usemos o poder de discordar e o de nos dar ao respeito. Realizar nossas vontades infinitas para sermos totalmente felizes. Destruamos todas as velhas estruturas sectárias e imexíveis. União para criar outro mundo. Eu não agüento mais a banalidade e a infelicidade. Quando e de que modo mudaremos o retrocesso da dignidade da raça? Cansei de servir ao sistema e contestar em passos lentos. Como ter um discurso universal escamoteando o cerne da mentira social? Eu questiono professores de sociologia que cagam em privadas porque, estatisticamente, a maioria caga em privadas e isto é definitivo! Porque menosprezar os pequenos grupos que resistem bravamente como os índios? Para eles somos todos números, resultados de pesquisas. As instituições não farão nada por nós e ainda somos obrigados a trabalhar com cabrestos, como cavalos de olhos vendados às magníficas visões dos lados. Qualquer instituição serve, guia, obedece ao sistema e o sistema morreu, sangra fortemente vermelho e nos mata de dor e medo e humilhação. Aonde vamos parar senão nos amarmos muito mais? O amor é a salvação do mundo! O dia a dia deve ser uma poesia, um cheiro de flor, um passeio na mata, uma melodia lenta de harmonia suave e o ar, possuir uma eterna fragrância de vida. Como profissionalizar a verdade se a profissão é o senhor de nós e nós os escravos? Que as profissões existam para nos fazer sorrir e alegrar as nossas vidas. Beijos quantos serão necessários, quantos serão precisos? Quantos beijos na boca do ânus da sociedade para que as faces humanas resgatem a tez rosada e, só por isso, brilhem demais? Estou à procura da vida, de salvar e ser salvo. Salvar os peixes do século que amargam o preto que paira no céu, o preto que paira na Terra parindo peixes sujos. Havemos de procurar nossa unicidade feita de matéria e espírito para elevar nosso equilíbrio resgatando assim as riquezas humanas e curando a grande ferida que fere nossa aura nos deixando coxos perante o Cosmo. Não precisamos mais de ídolos mancos ou perfeitos. Seremos a nós e ao amor. Amemos a quem bem encontrarmos. Amemos ao centro do corpo, ao centro da alma. Amemos.
SÓ O FARDO DE DEUS, SÓ O MANDO DE ZEUS, SÓ A CRUZ DA PAIXÃO
E na eternidade do ocre embalsamado broto eu a vaguear minha turquesa e vinho de bálsamo nos delírios mortais, vitais, vivos demais. A procurar meu canto, meu cheiro, erva e líquido, como clorofila no sol ou água na pele. Sabe deus dos desejos pequenos e de novo deus sou eu. Sei lá de deus ou de imaculadas misérias! Quero quase pouco e quase luz. Quanto se tem que se vir à tona, quantos vales velados de cera e lágrimas concentradas? Acumulam-se lástimas e meu corpo é pouco. Meu copo é sangue de morto a beber-me o passado... lentas tardes de sementes paridamente abortadas em cristal. Vagamente, eternamente passa o cheiro do passado e cheiro o mel. A melar-me de mim, nos becos de mim, em cintilância própria. A vagar-me nos quartos de Paris, nas ruas, no tempo fechado de Paris. Vagueio aqui sob o pesadelo monstrengo do século cinza. Em minha casa há cristais pequenos, estilhaços enlameados de mármore. Cobre, cobre e quase fel se faz o céu do meu; acúmulos proscritos, sabidos de sempre. Quem onde e quase nunca se saberá nem se chegará ao valor real da mata sangrada de sal. O meu sal não é mau. O meu sal não é mal. Qual o caminho a tomar nesse sono. Em que mofo, em que rombo velar os últimos anos? Só o fardo de deus, só o manto de Zeus, só a cruz da paixão. Contarei contas, cortarei em faca de pontas as minhas mãos. Sabe o amor que assim se faz, que em mim o amor é mais a brotar feito luz, a jorrar meu sangue nessa cruz de fé e santidade ao pé da distância sagrada das torturas. Que me venha meu único homem, meu único canto e hino nesse meu caminho que agora eu descubro sem par. Nada, nenhuma gota sequer pode ser de alguém, nem mesmo a mata sagrada de canto calado, de som silencioso. Repito o grito surdo do réptil despercebido e seu movimento muscular, vejo o mundo como ele vê o céu: de azul desconhecido e a quentura de brilho em seu dorso cinza, áspero... como teclas notificando descendências e ancestrais trago em mim curvas de minha própria cor amada, em véus de pêlos oculares. Renovai em mim, oh, luz, a cor da pérola quebrada no céu, o estupor da queimadura leve do sol amanhecendo o cérebro; o meu desejo lembra a própria temperatura. Sei hoje de mim que no silêncio tudo é sombra calma, morta e viva, suave como sua tez. No silêncio tudo é sombra cheia de amor. Ausente se faz a solidão densa, de pirâmide. Descendente de mim a parir-me em milhões no escuro de sua luz, no apagar de sua luz. Bombardeiam e trituram suas serras elétricas e gases inflamam o peito adocicado, regado em broto verde que fura meu corpo; nada mais acaricia meu corpo senão minhas pálpebras, nada mais acalma meus nervos senão a solidão, o que não se pode tatear. Eu me encontro flutuando no véu negro do escândalo de ser apenas alga-viva exposta ao sol, exposta em coral no marrom da pedra macerada por mil anos. É trombose, escabiose, metamorfósica e metálica a tez do tempo demarcadamente humano a ranger-me o couro, a rasgar-me a decência, exigindo a decadência dos meus pêlos mudos. Torpor, furor, a destruir vigor de ser calor, luz, amor; eu me destruo no silêncio do amor e os animais não sabem que eu existo. Curas, drogas ou ervas medicinais não trarão de volta a mim o que me tiras, oh século desestimulante! Oh, tédio de ser unicamente um só! Sem dignidade me jogas em teus espelhos exigindo pus e pus e pus – luz e luz e luz! Oh Terra amaldiçoada! Querem de mim o cetro, querem de mim o pão, numa putrefação de osso e carne da vida viva. Retorço o meu nariz e olho o espelho brilhante de deus; faz-se regido em deus o ar; faz-se regida a luz. No recusar do pesadelo, no espocar da vida amada, vida artista.
PRO ETERNO DOS PÁSSAROS
Cala! Eu te quero fora desse quarto
Do quarto D-16
Cala! As palavras, outra cela
Pra mesma cela
Cala, não pede SOS, não pede alta
Cansei das gramas dessa jaula
Vem beijar a vida aqui fora
A porta mostra a luz calada
Cala a dor vermelha do grito
Cala a verdade das verdades
Não derrama água e sal na bata branca
Água, sal e sangue
Cala como os pássaros que não sabem do tiro
Como as árvores que não sabem do aço
Com a nítida certeza da fala
Com a íntima nobreza do ser
Fala! Diz que foi erro grave discordar
Mesmo que fale tremendo
Mesmo que de peito partido
Fala pensando no fim de todas as portas
No início, no início, no início!
E quando chegar na porta de saída, cala!
Olha pra traz, prende o choro
Deixa tua luz pra todas as almas
Beija a dor de cada irmão
Os únicos amigos
Fecha o portão dá três passos
Joga os farrapos no chão
Agacha-te arranhando as costas
Nas grades implacáveis
E clama ao amor por perdão
Eles só sabem o que fazem
Num choro ininterrupto
Deixa os soluços cessarem o ar
E fala e geme e grita sem compreender
Abraça teu tórax são braços de carne
São tu sem camisas forçosas
Sem remédios na mente e voa
Como o passarinho que não sabe do tiro
E levanta e pega tua trouxa devagar
Enxugando o rosto e pensa e lembra e rir! E rir!
Eu te espero com o céu, eu te espero nervoso
Roendo as unhas do lado de fora
Com um sorriso na boca, com um abraço pro teu
Com lágrimas caindo nos teus ombros
No teu corpo suado
Aos vôos! Como pássaros cicatrizando
As penas cobrirão, recompensarão
Acelerados às imensidões
No silêncio das árvores que não sabem do aço
Na distância daqueles que levaram tiros
ESCÂNDALO
É um escândalo que me devora as vias do destino humano
Estraçalha pedaço a pedaço
Na minha estória se crava a dor
Saio sério dos destroços
Meus cabelos derramando
A chuva no rosto
O rosto na noite do frio
Dilatou-se o petrificado sangue do meu coração no sol
Ardor sufocante exaurindo-me em você
Deus apaixonado concentrado de nada e tudo
Procurando-o por duas bêbadas semanas no meu quarto de flores
Expurgo eunuco de fruta madura
Cai meu rosto na cama em detalhes calados
Pelo ocre peludo de tua carne distante
Perto e longe
Meus olhos me dão amor
E O RESTO DOS BEIJOS...
E
O
Resto
Dos
Beijos
Ficam
Pra
Nunca
Mais
...
A BOCA DO ÓRGÃO GENITAL
Mas é absurdo!
Sex-shopping diversões!
Adeus amor, sagrado descanso
Tudo por conta do tempo
Goteje rapidamente seu sêmen quente
BLUES...
Blues
Parque verde
Lago
Manhã
Sunshine
APÓS EU POR...
Após
Eu pôr
Aqueles óculos escuros
Para ver a árvore
Ela
Tornou-se
Da cor do gosto
Do sumo da casca
Do limão verde-escuro
ARLANDE
O vento
Que pega por trás
Entre o pescoço e os cabelos
Entra pela fresta da alameda dos cílios
E faz secar um pouco meu olho direito
Quando penso que o nome desta vibração
Junto com as gramas balançando ao sol
Chama-se Arlande
NÃO DÊ UM SORISSO...
Não dê um sorriso redundante
Ao canalha de rosto bonito
Mesmo que ele tenha olhos cor de mel
Com faíscas inebriantes
Toque apenas no piano
Que eu canto um blues pra nós
Em pleno dia de sol
Porque plenos devem ser
Os nossos passos pela areia da praia
Bem deve fazer o cheiro
Das plantas verdes
De flores lilases estendidas
Rameirando-se pelo branco
dos grãos da areia da Avenida
Quero mostrar-lhe como são
De um creme profundo no crepúsculo
Os grãos da praia de Jacarecica
Como é gordo e de palavras
Confortantes o mar
De Cruz das Almas
Digo ainda da junção
Das tonalidades naturais
Da última hora do dia
Da primeira estrela da tarde
Até o escurecer lento do céu
Cores que fecham meus olhos sorridentes
Confirmando quão forte
A força de ser puramente universal
Mostro-lhe meus olhos assim agitados
Bem sei eu...
Bem sei eu da calma que precisam
Bem sei eu o que merecem.
MEU GRANDE INCENTIVO...
Meu grande incentivo
Meu grande homem
Meu pobre menino
Meu par
Meu andar
Meu vigésimo andar
Eu vou terminar pulando
AS PAREDES...
As
Paredes
Flácidas
Do
Meu
Coração
Bombeiam
Sangue
Pro
Inferno
.
EU SEGURO A VELA...
Eu seguro a vela que não se apaga
Durante todo o caminho nas noites
Nem sei pra onde vou quando me queimo
E quero te soprar quando isso acontece
SOCIEDADE
A sociedade arruinou-se
Os poetas já foram lidos
Os sonhos de felicidade são em vão
E não há graça em sorrir para patetas
Tantos se fecharam em si
Poucos pensam em florestas
Eu quero as tundras
Lama grossa nos pés
Fecha, tempo!
Enegrece nossas almas, o coração
Ponhamos logo este luto
Esqueçamos os doutores
A espada que sempre foram
Fiquemos à parte
Virando loucos de não mais voltar
BIG BROTHER & THE HOLDING COMPANY
Como um freio radical a 120 por hora
Uma coragem decrépita e finalíssima
Morde e sopra sopra e morde
Transborda a dor e se auto-soluciona
Explode a bomba do desespero feliz de sê-lo
Desafina explodindo ouvidos melindrosos
Quem vai querer o vermelho escarlate
Quem vai querer o roxo e o azul-turqueza
Quem vai querer a verdade cheirando a bílis
- Um trânsito engarrafado
Verdade de um vômito de paisagens
EU DEIXO FLORES
Eu deixo flores na porta dos meus corpos
Exalo assim todas as horas
Pra quem quer que cheire
Pra quem quer que pise
Alguém sempre vai chegar
Mesmo até no cinza desse sertão
Eu deixo flores para o que passou
Na porta dos meus corpos eu deixo flores
Ainda escuto o bater das últimas portas
Eu ainda tenho as chaves
Estão no bolso por qualquer motivo
E eu passeio num jardim onde tudo é puro
Eu deixo a lembrança de mim pelas flores
Como em dia de finados ou em de aniversário de morte
E saio de branco, amarelo e azul para passear
Neu anseio é encontrar você aquilo e um ponto
E do ponto, dois pontos e um ponto final
O ponto final é a mediana de dois mundos
Um deixa flores na porta da luz
O outro deixa flores na porta das covas
Flores na porta da luz
Flores na porta da luz
Flores na porta das covas
Flores na porta das covas
Da janela me vêem
O sal mancha a parte branca do vestido
O sal dos meus olhos
E eu espero que o sol o lave o seque
Ela quer que o sol o lave e o seque
EU PASSEEI PELA ALAMEDA
Eu s pela alameda
Cheia de sombra e paz
E pensei em nós
Na calma do amor
Onde mais haverá amor, senão aqui
Lugar meu cansado e sábio
Cheguei perto da morte
Sei a cor da noite e dos seus homens
Mas eles não sabem a minha
Sei que a rosa é só uma rosa sendo a vida crua
Mas o amor é doce e tem traços perenes
Como a palma da mão
Como a paz sombria do meu jardim
Como nele, meus passos pensando em ti
Queria que você chegasse com palavras sãs
Silenciosas que você chegasse para sempre
Que pra sorrir assim eu acreditasse
Eu preciso de uma paz eterna
De um homem quieto ao me vir
Pra poder ser sozinho
Pra gravar meu nome no coração do mundo
Quantos beijos serão cortantes
Quantos tapas agonizados
E dores quantas serão sentidas
Por serem tardiamente efêmeras?
O meu amor de meia-hora – direi assim?
Larguei-o esta manhã – assim?
Não, nem pela última vez
Se tua loucura me fizer tremer o tremor-limite
Eu acordo azul anis e cheirando a violeta
Pedindo a suavidade que o barulho da tua alma
Atropelou
Pedindo, pelo centro do meu ser
A delicadeza da natureza sombreada
FOGO AZUL
(para Arthur Rimbaud)
Como as caravanas de Jim Morrisson
ou as barcas miseráveis de Dante
Caminho errado, decisão estúpida
Tradicionalismo-estopor,
abnegação absurda ao sistema
Embotamento contumaz da beleza
Cinza cérebro de pedra,
onde esqueceste o desejo de amar?
Onde tua mãe inquisidora foi parir
filho tão frágil mas de força azul?
Pai de idéias subseqüentes
que irão alvorecer
Holísticos serão os anos
que se aproximam
Mas ainda vejo a sociedade
vigiar teu coração
E apunhalar pelas costas
é a maior vingança, a pior delas!
As caravanas foram as navegações
da barca do tempo
Demônio azul, anjo azul,
príncipe incendiado!
Todo o corpo de fogo.
Tudo de fogo!
Energia que queima,
tremulação energética
Teima, teima a luz desesperada
de dor, miserabilidade vital!
Regozije meu peito desta coragem
de esbanjar eletricidade
Cavalo selvagem, cavaleiro com pelos de aço,
cavalgada em 88 graus!
É o fim!!! É o fim!!!
São mil pedras maravilhosamente esfalecedoras
Ilimitado prazer catártico,
decepção da arte de amar
Quando a peste total era e sempre foi o desamor,
dinamite explosiva
Ah, eu não faria isso.
Quem não haveria de ter sorte?
Logo tu, oh iluminado!?
Qual das vidas seladas com a morte
escondeu o brilho, o viço da luz?
Que brilhe muito e ainda
tua aura de fogo azul furando metais
Força nobre de amar visionariamente,
translucidamente
Lição de como mudar o mundo num piscar de olhos
e teu coração está no sol
Quisera eu a quentura no corpo
Leão na hora da caça,
alucinação irracional de fera: sangue e coração
Repousa leve como um pássaro
a energia que largou teu corpo
De cansada!
Em que barca Dante te levou e te traiu?
Tua mãe te cuspiu!
Alma errante,
filho de ninguém que se mutilou
Fostes encimentado entre as pedras mudas
sob delírios de febre e letargia
Brutal ossificação cerebral,
eternização infernal
Iluminações obstinadas
no queimor da solidão
Um comentário:
...e como amávamos! estou emocionada Ale! Feliz por nos reencontrarmos aqui. Voltarei sempre... ainda há muito o que ler e sentir. Muitos beijos @-)--
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