quinta-feira, 2 de abril de 2009

JOÃO FOLTRAN: AMOR E ARTE NA VEIA












































- Matéria abaixo publicada no Jornal Gazeta de Alagoas em 2001, ano da morte de João Foltran


AMOR E ARTE NA VEIA


Morre, aos 46 anos, o artista plástico e ator paulista João Foltran, radicado em Maceió há oito anos, reconhecido por suas colagens e instalações desconcertantes.




Por Alexandre Câmara





A lua flutuou diferente quando João tomou o céu pra si e, entre as estrelas, se libertou de seu corpo frágil. Como ele ficou grande... Pra falar com o João agora basta olhar o céu. A sensação é a de que ele está pairando pela cidade, sobre o mar, transpassando coqueiros, compondo a paisagem aérea da lagoa Mundaú, como se nos dissesse: “Estou livre! É maravilhoso! Continuo aqui e, finalmente, estou feliz de novo!”.


Ainda jovem em Piracicaba, Johnny ganhou prêmios com trabalhos de colagens se mandou pros Estados Unidos, onde estudou artes na Universidade de Colúmbia. De volta a São Paulo, fez diversos trabalhos como ator, onde interpretou Caetano Veloso, seu ídolo, num show em homenagem a Elis Regina, junto com Jane Duboc e Luli e Lucina. Nos desbundados anos 70, foi um dos queridinhos do grupo performático Dzi Croquetes.


Professor de inglês desde sempre, João dirigiu uma das filiais da multinacional Berlitz, a de Campinas. Mas foi a convite de Fátima e Vanessa Tenório, empresárias que comandam a escola de inglês System, que ele veio lecionar em Maceió, no ano de 93, e permaneceu professor até 2000. O que o trazia para cá, na realidade, era o sonho de morar na beira da praia numa cidade menos neurótica.
Ainda nesse ano, na padroeira de Riacho Doce, escrevemos juntos, um livro ainda inédito, chamado Pedra de Rio, que será editado. Seguindo seu sonho, partiu pro litoral Norte, onde comprou uma casinha de taipa na beira da praia de Ipioca. Ali compunha poesias na beira da praia, tomando sol e cerveja. Foi na beira do mar que escreveu um livro infantil e artesanal para seus sobrinhos com elementos tipicamente atlânticos: mar, areia, estrelas do mar...


Num coffee shop de Amsterdã, na Holanda, decidimos fazer uma exposição- ele colagens e eu, fotos. Seria o seu retorno artístico. Trouxemos cinco quilos de folders, panfletos, convites para shows, boites, exposições... Com esse material, João fez uma das mais ousadas mostras que Maceió já viu, realizada no Jaraguá Arte Estudo, hoje 100 Censura. Unindo estética pós-moderna e homo-erotismo, abria caminhos sofisticados para a vanguarda tupiniquim. Essa exposição rendeu mais de uma semana de críticas nos jornais da cidade pelo seu ineditismo.


Posteriormente, Ana Cláudia Cerqueira, Coordenadora do DST-Aids da SMS, convidou-o para organizar a mostra temática de artes plásticas que aconteceu no Sebrae e que reuniu mais de trinta artistas de variadas tendências. Novamente João surpreende expondo uma instalação com seringa com sangue, camisinha usadas e foto de corpo nu masculino. A trilogia esperma-sangue-seringa chocava e silenciava pelo despreparo das pessoas para a intensidade da obra.
A convite de Márcia Pimentel e Otávio Coutinho, João viajou o Brasil com o grupo Pão e Circo com um trabalho mais amenos, o espetáculo de formas animadas Flicts -baseado em livro homônimo de Ziraldo- aprovado pela Lei de Incentivo à Cultura e financiado pela Caixa Econômica Federal.


Nos trinta anos de Tropicália, João fez uma exposição de colagens no Nação Caeté, em Jaraguá, com uma riqueza de detalhes e informações impressionantes. No clima do trabalho, foi para a vernissage vestindo apenas uma saia florida e colares. Outro choque. O que mais chamou a atenção neste trabalho foi a bem feita contextualização daquele movimento e a criatividade de João.
Nas comemorações de 500 anos de Brasil, João fez colagens num suporte inesperado: capas de cadernos com tema homônimo e partiu para Porto Seguro, onde vendeu seu trabalho repleto de araras, mães de santo, mares da Bahia, bandeiras do Brasil, frutas, flores e céus azuis.


Voltando pra Jaraguá, fez sua última exposição na mostra Contraste Local, ao lado de Fernando Pontes, Lael Correa, Agélio Novaes, Marta Arruda e Mirna Maracajá. Outro trabalho marcante: centenas de camisinhas de Vênus formando um canavial e dezenas de calunguinhas transando a dois, a três, a mil!


Seu último trabalho artístico foi em teatro. Dirigido por Lael Correa, João encenou um texto meu, o monólogo Manifesto Para a Nova Era, premiado num concurso nacional promovido pelo Sindicato dos Escritores de Alagoas. O texto corrido sugeria o renascimento da humanidade através do amor e do desapego a antigos valores. Mais uma vez o choque: Após um banho em cena, terminava a peça nu.
Recentemente, João colhia material para uma exposição de colagens em papel que seria branco sobre branco. Para a divulgação do trabalho ele pediu uma poesia minha, do Pedra de Rio. “Nós somos o branco/ Queremos fazer a passeata das palavras em branco”.


João foi um cara que viveu pra amar e pra viajar. Ele falava: “O amor é o alimento da vida, mas as viagens, são a sobremesa”. Literatura, teatro, shows, festas, bares, amigos, drogas, sexo, tudo João viveu intensamente. Muito inteligente e de humor sofisticado, era extremamente agradável ficar junto dele. Dono de alegria doçura contagiantes, João apaixonava. A cidade, mais pobre, vai ter que inventar outro.
Tudo que João curtia, não podia mais fazer por causa de uma neuropatia crônica e da hepatite “c”. Um dia ele me disse tirando uma onda consigo mesmo: “Vou colocar uma plaquinha no peito com a frase- `Doenças crônicas- não há mais vagas`. Na minha opinião, ele agora está mais feliz.


Em 95, no vôo 766 pra Orlando, escreveu os versos: “Tão bom é estar no ar/ e olhar/ as nuvens de cima/ a terra de cima/ Melhor seria/ andar/ sobre elas/ vagar/ Poder voar/ ter asas/ flutuar/ ser ave e migrar/ Ser livre/ no mundo/ e pousar/ sem pressa/ em qualquer árvore/ de qualquer chão/ a qualquer tempo/”.