PREFÁCIO
Caro Alexandre,
uma alegria
e a força de sua poesia
vem do não concordar
com o que é vil:
“O altar da loucura
reside no arriscar.”
“O mundo deveria
ser mais silencioso.”
“O amor é minha tragédia.”
–– Alexandre o imperador?
–– Não, Alexandre o grego, o fauno;
com seu sorriso de criança,
de percalços e de luz.
Feliz aquele
que tem a graça de sorrir;
precisamos de leveza, de beleza,
de amor e arte.
Os tempos e os templos,
não estão fáceis.
Poeta, sou mais nós.
Um abraço afetuoso,
Lúcia Guiomar Teixeira
Maceió, 17 de Outubro de 2005
LOUCO DE AMOR
O QUE ACONTECEU...
O que aconteceu com seus olhos verdes
lodo de espelho d’água sujo grosso e denso
Onde essa moto foi quedar-se estrada
apressada voante pra longe de mim riscou
Essas buzinas educadamente baixas
às três, quatro, seis, 8h30 da manhã padrão
Esse juízo que funciona pensamentos
concatenados começo meio e fim de história
Esse eterno matemático bondoso pensar
no outro como resposta e pergunta final
Convidaria a uma sessão de absinto em Paris
delirar com fadas verdes em tuas íris
Quem sabe em uma casa de ópio
prostrarmo-nos etéreos
sobre pensamentos ocultos
Viabilizaríamos uma rota turística
pelos coffee shops de Amsterdam
via haxixe do Nepal
Mas antes precisarias achar-te a ti
em qualquer estrada interior do amor e do sexo
Onde te coubesse inteiro potente
como fazes com tua lógica reta
sobre demais temas
Quem sabe assim pudéssemos viajar
apenas num bom filme em casa com pizza e coca
PRIMEIRO ENCONTRO
eu quero que você prenda e solte
minha cabeça entre suas coxas grossas
que é para poder lhe ouvir gemer
PÉROLA DE AMOR
Uma pérola para a lágrima
Uma vitória para a lástima
Um banho de rio para o calor
Uma felicidade para uma dor
É hora da natureza e da beleza
Invadirem doce a vida amor
LUA TUPI
Sou índio caboclo gerado nos coqueirais da Lagoa da Anta
Nas tardes ensolaradas que resplandeciam a beleza da branca Jacy
E antes de penetrar o corpo dessa minha mãe Tupi Guarani
Vagueava pela orla selvagem de Coruripe encantado com o mar
Quando morrer de viver de amor é para lá que quero voltar
Há um tolo
adormecido
dentro de você
se recuperando pra
poder sair
e de novo errar
dentro de você
se recuperando pra
poder sair
e de novo errar
DE FRENTE PRO MAR
Um velho imundo safado
mundano perdido nas noites sórdidas
de boca na vida guloso mordendo o ar
Mas aí tem você
musica lenta, meu amor será
minha cama macia de frente pro mar
Boto que me ama e não aparece na noite de luar
me deixa mastigando dentes, trincando o coração
esse cocho cansado de tanto bater e pouco apanhar
Queima o corpo o sol da tarde
chega a noite e te procuro pela praia
para me dizer que não me quer
Aí eu não quero nem saber
fico bêbado mesmo me largo na noite
beijo na boca da vida
e acordo atordoado das loucuras cometidas
Do teu lado, graças a deus
do teu lado, do teu lado
Eu nasci com essa alma nativa de preto velho
Vivo nuzinho com os pés na terra de índio alagoano
Tenho essa cara rasgada de rugas arada pelo tabaco
Mas também o canto dos pássaros pelas manhãs
O cheiro verde dos jardins e restingas fluviais
Gosto do meu corpo roçando a própria carne
De ranger os músculos entre si pele esponjosa
Vida e morte misturadas nessa busca de beleza
Satisfação plena em juntar opostos
E que cada dia menos Tanatus perambule minha casa
Oxigenar, higienizar meu cérebro com ar puro
Clarear minha visão enxergar tudo é mais seguro
OLHOS SELVAGENS
coloco o jeans rasgado
a camiseta branca e ligo o carro
trago uma Skol nevada e o cigarro
baforo a sexta-feira extasiado
pego o litoral,
faço a minha estrada
por trás dos coqueiros
o colar de luzes
e o mar da noite molhada
se o melhor filme é o da vida
estou vivo mas do Orkut trago
teus olhos magnéticos e as
sobrancelhas selvagens comigo
Antony and the Johnsons rezando
e teus olhos cristalizados me levando
a trilha de Crash na sequência
e tua tez glacial me degelando
boate, gente, estroboscópicas
e só tua boca vermelha iluminando
volto pra casa, sozinho, da farra
quimera, boca carnuda me beijando
são esses teus olhos fixos, agateados
não os de Maysa mas os de unicórnio alado
de pássaro montados no vento, arrebatados
loucos, controlando fortes sentimentos
desligo o som, dou boa noite ao vigia
brinco com a dálmata e a labradora guia
a água lava as mazelas do mundo
hoje me lavo em teu olhar profundo
CAMBRAIA
arar a terra pra sarar a vida
carinho de mãe brota verde
e floresce branco no corredor
da velha casa de tia Enaura
a luz da tarde arde
invade o corredor silencioso
lambe suavemente
meus olhos no horizonte
me alento, me acalanto
na cadeira de balanço
cheiro da terra molhada
carinho de mãe
exalando na calçada
cortinas brancas de cambraia
lufam ventos quase azuis de praia
refrescam o tempo sem tempo
deixam a vida ensimesmada
enquanto a sombra cai
a luz tece de dourada
a cortina de cambraia
alvejada que vem e vai
o sorriso da noite bronzeada
é uma lâmina boiando prateada
e a primeira estrela da noite
é a pinta, o sinal de uma face
ainda não totalmente iluminada
EU E ANA
(para ler ao som de Ana Carolina)
toda vez que você resolve ir para sempre
pra me fazer chorar enlouquecidamente
é sempre a Ana que fica aqui presente
a gente roda essa cidade dia e noite
outra cerveja outro cigarro nesse carro
lhe revendo em cada canto nosso agora vago
que amor eterno é esse que não se apaga
que paixão intensa é essa que não acaba
só eu e Ana sem você pela estrada
fico vendo seu sorriso de ray ban
indo embora mais uma vez de vez
nossas lágrimas em meio à embriaguês
depois que você partiu e seu carro sumiu
uma parte boa de mim fugiu, me escapuliu
pela estrada à sua procura e não te viu
você é a minha cura, o fim da minha loucura
meu lado calmo, a paz que me segura
sem você, eu e Ana perambulando nas alturas
desse sorriso perfeito, nem posso lembrar
como sempre, você sempre vai sem se
deixar levar, sem esquecer de se imortalizar
fico eu e Ana aqui com os seus fantasmas
com suas mãos que me lavam, cuidam, zelam
seus pertences, seu gato zen, mãos que me melam
com essa boca vermelha, carinhosa, maravilhosa
o bico do meu peito sente falta do seu beijo de rosa
do conforto noturno de seu corpo, de sua alma poderosa
vai, se acha que deve ir mas não esquece de voltar
vamos ficar eu e Ana aqui lhe esperando pra me completar
vamos passar o inverno juntos antes da primavera terminar?
CHEIRO
cheiro chamando da cozinha
se espalhando pela casa
a brisa leve da matina
congelando até a praia
cheiro de terra molhada
cheiro mata fechada
música que traz o cheiro
lembrança de gente passada
tantos momentos encorpados
tatuados nos cheiros guardados
de surpresa exalados, inalados
que perfumam e exaltam a vida
cheiro no rosto, no olho, na boca
que se ensaiou e não deu tom
cheiro que ainda estar por vir
que não senti mas que não sai de mim
LIGA O SOL
São tantas histórias ao mesmo tempo
Pessoas que vem e vão como o vento
E só você me prende pelo sentimento
Há amores que ficaram para sempre
Inda hoje cama, casa, corpo e mente
E mesmo esses vão ficando diferentes
Há amores banais para as horizontais
Dias de vícios, instintivos, tão carnais
Mas acordo só, momentos superficiais
Se lhe encontro me encanto com você
Que me ama, que me quer, quero lhe ter
Liga o sol, faz meu coração gelado derreter
TÁ TUDO EM PAZ
Agora como antes
O mundo está menor
Está tudo certo
A lua continua boiando no mar
A saúde companheira
Não deixa de acompanhar
A gente perde uns amigos
Antes abrigo
Agora sofrido perigo
Deixar de amar
Se a gente vale o quanto pesa
Sou mais leve que o ar
Tá tudo em paz
O jardim está lindo florindo
A casa enfeitada
E já nem trabalho demais
Da minha porta vejo o mar
No meu quarto tem filme noir
É tanto beijo, sexo, abraço,
E amasso pra exercitar
Meu corpo é teu
Meu rosto, meu peito, camafeu
Para altos e baixos
Alegria deus me deu
Mas uma coisa é certa
Não posso mais
Te dar a rota certa
Encontra teu caminho
Me encontra com carinho
O amor é o mesmo
Se é só o amor
Que vejo, que desejo
Mais uma vez estou aqui
Na casa, no colo
No bar do bairro onde nasci
Se não cabe mais o Hawai
Quero encontrar de novo
O que sempre vi em ti
O cego, vejo, ouve melhor
Quando o dinheiro acaba
Quando o dinheiro acaba
Você começa cortando
A TV a cabo, a Internet
E acumulando contas
Que você nem se dá conta
E quando o dinheiro acaba
Sua fruteira vai esvaziando
Sua geladeira se acostumando
A só ter água para ir gelando
E as verduras vão se decompondo
É que quando o dinheiro acaba
As pessoas vão se dissipando
E as nuvens vão se arrumando
De maneira a cair sobre você
Você sente o cerco se fechando
Enfim você tira aquelas dúvidas
-Será mesmo que me amavam?
-Elas sempre me acompanhavam!
Não era apenas pelo que se sente?
Não! Era mesmo pelo que se mente!
Pior que quando o dinheiro acaba
E você não pode ajudar ninguém
Justamente quando mais precisa
A solidão faz de você refém
E o teu sexo é solidão também
Pior que acabar o seu dinheiro
É ver os seus amigos mais chegados
Pegando a reta te jogando pra escanteio
Lá se vai a água pelo ralo do banheiro
Segue a lama seu caminho pros bueiros
Quando o dinheiro acaba
Você vê que não roubou ninguém
Nem tirou a comida do prato de alguém
Não deu aquele velho pulo do gato
E a indecência não te fez mais um larápio
O certo é que quando o dinheiro acaba
Lhe contentam umas latas de cerveja
Sobra o resto de sua vida pra dar conta
E o vazio em longa jornada noite adentro
Sem dinheiro o que acaba é o faz de conta
VERMELHO-MADEIRA
“Coração bobo, coração bola, coração balão, coração São João
A gente se ilude dizendo: já não há mais coração” – Alceu Valença
Dancei mesmo foi nesses seus olhos
Nessa sua roupa com cheiro de óleo
Nessa boca negra, vermelho petróleo
Nesse sorriso inocente mas indecente
Me queimei todo na fogueira de São João
Na mata verde, na noite fria de São Miguel
Su casa, me caça, seu leito, meu hotel
Não deu pra pular sem cair na fogueira
Seus olhos roubaram-se de si por mim
Dentro dos meus, de mim, à noite inteira
Ganhei deles buquê vermelho-madeira
Seu corpo travou um monólogo, um ato
Assisti atônito a latente atuação de Baco
Súcubo e Íncubo te sorvi, bebi, me servi
A festa não acabou e meu coração-balão
Vai boiar e pousar em São Miguel, no chão
Porque quem penetra e molha meu olhar
Tem mais de mim do que o que eu posso dar
CORRENTEZA
Aconteceu
Teu corpo tocou no meu
Meu corpo inda sente o teu
Não é exatamente do corpo
Nem mesmo desse belo rosto
É a luz que te guia
É a idade que te alumia
Inocência, pureza, energia
Em tua vida tudo ainda é dia
Essa distancia não parece abissal
Eu aqui, tu aí, nosso bem, nosso mal
O amor quando acontece
Mesmo longe não se esquece
E se há isso mesmo entre nós
Não haveremos de ficarmos sós
Você pode realizar outros desejos
E eu, corpos, rostos, pêlos, beijos
Mas em mim só há uma certeza
O mergulho cego em tua correnteza
PLANO DE FUNDO
você ficou ali
no plano de fundo
de meu computador
dias e dias
estava em pixels
nem te conhecia
lestat apaixonado
devorava te comia
te sorvia as sardas,
os olhos verdes
a pele branca,
o lábio rosa no flash
a linha reta de teu nariz,
a tez ilesa
nenhuma dor,
nenhuma cicatriz,
beleza
nenhum amor,
ninguém feliz,
certeza
que esse sabor,
a tua vez tem prazo
é uma paixão volátil,
não tátil,
sem nome,
sem vida,
sem toque,
sem fala
mas enquanto
estiveste aqui,
em sonho meu
venci mais uma etapa
do amor platônico
te vi, te amei,
te dei meu coração atônito
o amor é experiência,
mesmo esse catatônico
há de fechar arestas
no meu coração romântico
e assim, do nada,
sem mais nem porque,
te venci
te tirei da minha vida,
sem nenhuma dor,
te esqueci
sonhos que vêm e vão,
coração de lobo cabe um,
um milhão
uma cidade deserta,
uma melancolia estéril,
noite,vermelhão
ROSSANA BLUES
me leva pra dentro dos meus sonhos sua voz rouca
palavras soam sopradas, são ventos azuis, lufadas
notas de flauta fluem, movimento sensual de sua boca
seus doces olhos de água clara sorriem de verdade
estão vivos, sem amarras, nóia, são paraíso, claridade
e meu olhar se queda e comemora nossa intimidade
o sal, o sol, a lagoa, o mar de Maceió em sua veia
me prende, me leva, me traz, me enreda em sua teia
amante da vida, da luz, da noite, o meu dia clareia
quisera acordar e dormir em sua vida, ter crescido
em sua casa, ter lhe conhecido desde o dia que nasci
lhe ver, lhe ter, me fartar, me saciar, enjoar de você
gata linda que flutua não anda, paira sobre a cidade
seu nome é além da conta, um exagero de felicidade
doce e selvagem Rossana fica cravado na eternidade
uma estátua de pedra deveria ser erguida pra você
na beira de mar, numa pracinha pra artista namorar
cantar, beber, compor, amar e ver a lua cheia flutuar
POETA SEM PAR
sou poeta sem livro
poema sem par
vivo inferno e paraíso
buscando calmaria
alma insana, mundana
abissal e colossal
onde me encontro vou
me busco novo ou
no passar dos anos
renovar, renascer
num banho de água gelada
lavar o sangue
o manto roxo da solidão
e acordar pra o sorriso
de uma mente oxigenada
respirar 5 vezes...
banho de cachoeira
respirar 5 vezes
cheiro de terra molhada
deitar na grama
olhar pro céu
morder talinhos de capim
esquecer-me de mim
alí está o mar
aqui por traz essa lagoa
e pela frente
tudo azul
completamente blue
TENHO MEDO...
tenho medo
agora mesmo morro de medo
o que é isso que nasce em mim
senão paixão?
quero teus olhos
você se entregando pra mim
sua cabeça em meu peito
meu beijo em tua cabeça
madrugadas
acordado com você
perdendo o sono por você
e suas histórias
mas não és só meu
sem nunca meu ter sido, contudo
vi seus olhos e sorrisos embriagados por me ver
agora fico aqui, calado
sem poder trair ninguém, nem a mim também
sem quebrar a magia, me calo, me inalo
de peito apertado nessa ilha ilhado
VOCÊS QUE TÊM FILHOS
Vocês que tem filhos
Sabem o que é a solidão?
Já passaram o Natal sozinho
Com a casa cheia de luzes
E O pinheiro cheio de presentes?
Já renegaram amigos
E aprochegaram inimigos?
Deram plantão de oito da noite
às cinco da manhã nas frestas
da porta, da janela, nas clarabóias
do jardim de inverno ou cataram
restos de ilusão embaixo do colchão
Já dormiram com quem os machucou
Magoaram aos que sempre o amou
E o amargo da tristeza não se modificou
Agora é muito tarde pra ter filhos
E muito dúbio adotar crianças ou andarilhos
Não ter filhos é descer no fogo e subir no ar
É voar da gaiola pra canto nenhum
Não ter filhos é silêncio, imensidão vazia azul
PAIXÃO
e a gente falou que a paixão não é legal
que tira a gente do normal
e estou eu aqui
perdendo noites em claro
chegando ressonado no trabalho
querendo fazer magia pra te ver
bruxaria pra trazer você
se é paixão, dói, aperta, sufoca
na ausência nada vale a pena
vou me concentrar, chamar o sol
buscar a chuva, as marés, as tempestades
viajarei nas fases da lua
escreverei os poemas do amanhã
eu vou te ter, eu quero você
eu vou amar você
eu vou dizer eu te amo pra você
ONTEM E HOJE
eu caminhava com os olhos de amor sorridentes, caídos
a tez queimando vermelha a vida crente, inocente, cadente
tempo de paixão ululando por poros e portas expostas
acreditava uma câmera filmando meus gestos em closes
em cada olhar, sorriso e desejos que eu mesmo filmava
amante das gentes presentes eu sempre fui e fui muito mais
hoje estou mudando menos emocionado ou alado
e mais apurado, cuidadoso, menos selvagem, precipitado
um mundo de poucas esperanças em amor, paixão, coração
quando tudo mudou, tudo ficou mais claro, claríssimo e fácil
hoje tudo dói menos, a inocência se foi, o filme acabou
MATEMÁTICA
eu só sei que não sei
desvelarei a mim a ti,a todos
envelhecerei
vou seguindo, intuindo
partindo e chegando
num barco bem ao meio
do caminho
nessa ou noutras vidas
flanarei em linha reta
experiente
quero encontrar
a certeza da não-dúvida
do não desabrochar pro novo
apenas
haverá o dia
em que já nascerei maduro
velho, quem sabe
para que todos os meus sonhos
já nasçam inteiros, imensos
intensos
e cheios de umas certezas
que me levem aos locais exatos
que me desabriguem
do umbigo, do ostracismo
do ventre, da casca do ovo
amanhecerei poeta profissional
e minha música sairá
desse estado de torpor abissal
serão anos dourados
em que meus cabelos florescerão frutos maduros
longos cachos de amor
num bar, numa praça
na praia à noite
cantando minha voz
mesclada ao cheiro de brisa marinha
bruma, bruma
para embriagar a humanidade
com um perfume certeiro
uma flechada segura
com a exatidão da matemática
Não vou dizer que não estou com medo
Fazer de conta que não apreensivo
Você me diz que tem saudades
Me chama de amor, de gato
Pelo outro lado do fone
No lado da Zona da Mata
E eu aqui, Beira de Mar
Hoje a gente vai se ver
A casa vai tá cheia de gente
E o que existe entre a gente
Ainda é só da gente
Vou chegar de mansinho
Pousar mesmo como um passarinho
Atravessar o corredor nervoso
E me integrar feeling da casa aberta
E se você estiver
Com aquele mesmo olhar
Com esse sorriso que adoro olhar
Aí vou te chamar pra sair dali
A gente precisa saber o que está acontecendo
Antes mesmo que descubram nosso olhar
Vamos praquele mesmo bar
Ligar o som do carro e deixar rolar
O olho, o papo, a boca, o riso, o ar
Não vou dizer que não passei a semana excitado
Te vendo nas pessoas que passavam
Nem quero pensar se apaixonado
Mas vê, se você tiver afim
Tenho que descobrir o que quer de mim
Três coisas podem acontecer
Nada acontecer, te ver, perder
A gente ficar juntos até a festa acabar
Ou indo e vindo sempre da mata ao mar
MAGDAH
foi de quem eu senti falta
estive em falta
de tempo, de grana, de alta
agora
tudo parece clarear
só falta
uma alegria exata
tomar conta de meu peito
tudo está como
se ainda faltasse o chão
mas nem foi nem é escuridão
inda não é felicidade
mas já claridade, vastidão
to de volta magdah
paguei as contas
consertei os cabos
falta agora a invasão
da luz em mim
que nem compro
nem ganho ou
premedito
mas é nela que acredito
LUZ & SORTE
abro as portas do passado ele
está chegando via cabo ou em
carne e osso pro meu lado
suas flores, do cerrado
sua tez, embriaguez
de súbito, atrasado
reanimam uma alma morta leite
de pedra, flor do inacessível chão
retiro-as das covas
esparramo-as pelo casarão
vivi dias e noites em vão
se viver é amor e arte
longos anos e cabelos brancos
labuta, gente sem graça, solidão
não me sobraram filhos ou marido
pra manter certas certezas inabaláveis
pra me livrar de tenebrosos perigos
muito menos os melhores amigos
tive grandes amores, dias de brisa marinha,
botos no porto, sexo em noites de coqueiros
espalmados na lagoa, pelos ventos encantados
atravessei o atlântico no meu nobre casamento
beijei Rodin, Michelangelo, fumei Amsterdã
em Veneza me livrei de sofrimentos e arfãs
fiz o melhor amor de todos os meus tempos
descobri a beleza da urgência da vida na morte
sem tempo para dor, regras, apenas luz e sorte
fui lapidado como um diamante bruto e brilhei
refleti a profundidade da alma porque arrisquei
cada um fez e encontrou o seu caminho, não existe
uma regra para a felicidade a minha vida é bela
do jeito que é jamais a trocaria por filhos ou
amores mofados mesmo só sem homem ou mulher
JORGE NA HIGHWAY
voce falou
voce ligou
você abriu as portas todas
você gemeu
você pariu
você abriu meu coração
você chegou
você berrou
e sabe até que não me viu
você vai fazer parte desse terremoto
vai pegar no por do sol a highway
vai me achar no meio do deserto
vai me chamar no meio do deserto
você vai cair fora deste terremoto
vai voltar no por do sol da highway
vai me perder no meio do deserto
vai me amar de novo sob o mesmo teto
TEXACO
I
No posto onde não dormes mais
Meu carro de frente pro mar
Insônia
II
Na rua onde não encontro mais
Pela praça procurava
Distonia
III
A madrugada chegou
Queria te ver
Taquicardia
IV
Me faça uma declaração de amor
Deite sonhos em meus braços
Te amo
DIAS
nesses dias de caterpila
encaro melhor esses dias
em que os cabelos se vão
e se cobrem de inverno P&B
nesses dias de caterpila
sazonais todos esses dias
em que os músculos se vão
e os olhares não se vêem
sempre medo desses dias
não mais tão assustadores
rego quando posso plantas
teço de estrutura o futuro
por vezes penso esses dias
que doem se chegam se não
mais tarde terão seu fim
alimentam a alma de azul
nesses dias de turbulência
dias de super reificação
longínquo o grego vento gelado
mestrado espanhol de Gaudi
mas esses estão após o meio
e significa mais perto do fim
me levam aos últimos ensaios
e aos primeiros antes do verbo
será que esses dias me trarão
e já não cabe mais pergunta
beira de mar, descanso e só
o resto dos dias pra sonhar?
DEUS E DIABO
é quase nada
cheiro forte de terra molhada
passos sumindo n'água salgada
o belo esquecido pelas noitadas
escuta aqui
cê sabe melhor que ninguém
que ninguém se largou mais que eu
que pra ser mais que feliz fui no diabo e fui em deus
agora veja
algo se quebrou e não volta jamais
o que passou passou e o trago em mim
daqui pra frente sou mais amor e paz
ce viu né
tanta noitada pesada encharcada
cada ressaca estropiada, monumental
noooossa!!! e tudo isso nessa cidade abissal!
ce sempre soube
que a minha meta é a felicidade, a linha reta
hoje sou eu que te digo cuidado com a liberdade
vá até onde não mais puder mas saia na hora da verdade
ce sabe eu aprendi demais
chegou a hora de trocar a tempestade pela claridade
sanidade e oxigênio bombeando velhos novos planos
corpo, alma, cofre, coração, religião, o além, saciedade
vamo combinar
burra é a loucura que ultrapassa o próprio limite
nem sei bem o que vem pela frente é tudo tão diferente
sei que é muito mais tranqüilo se viver é o que eu tenho em mente
SOZINHO
as pessoas nunca ficam
e não é o meu amor que expira
não se luta contra a falta de desejo
caminhos e portas podem ser abertos
seguidos, ensinados, delineados
vou eu aqui tentando mais uma vez
e desta com mais força
pra ver se consigo fazer
minha calmaria se manter por mais tempo
to adorando minha vida do jeito que está
pouco saio, a rua não me atrai
cuidamos de tudo e está tudo pronto quase
na hora de curtir o verão no inverno deste casarão
cai a chuva
O QUE
O que aconteceu com você
Meu coração partiu
Cuidado, garoto
Atenção com a tua vida
Não se jogue desse jeito
Preste muita atenção
É hora de segurar a onda
Pra seguir em frente
Não cair profundo
Tenho medo da tua tristeza
É tão grande que
Buraco negro
Posso me afundar
Cair num sem fim
Junto contigo
Só pra te salvar.
PAIXÃO SELVAGEM
(para Eron Barbosa)
I
Teu amor são asas azuis
para céu infinito de azul claríssimo
Tece o azul turquesa,
emana o lilás e o violeta
Faz tremer fundo infinito,
antes espiral dantesca
Não que retire leite de pedras
mas agora dói menos
Clarão no fim do túnel
onde chego em repouso
Retornam alegrias azuis
afundadas na ausência de luz
Você, página de um tempo
bom da Idade Média
Rolando pelo campo,
ventos desenhando a plantação
Caminhadas sorridentes,
pique-esconde, derrapadas
Tristeza, palavra malsã
do dicionário decepada
Tonto do sangue de Cristo
farto de hóstia consagrada
Sábio louco e lúcido
após mil tormentas
Em mares noturnos
de ressaca e só Deus sabe
Reclamei um corpo
que me afagasse
Premonição e bom presságio
sem te ver eu já te via
Tu comigo na cozinha
nosso lanche produzido em nossa pia
Sanduíche havaiano ia e vinha
Pasta de abacate,
carne de atum, cenoura e alface
Nossa onda, nosso surf
da janela o mar se via
De fora, sobrevoando
rente ao teto ia nos vendo
Flanava perto, indo e vindo,
em degradê
Eu te falava das ondas salgadas
da Praia da Avenida
De mares não desvendado
às quatro da matina, chapado
Com tainha desenhada
na barriga da onda perfeita
Teu sorriso largo inteiro
e nenhuma dor
Os olhos verdes grudados no meu
e nenhuma dor
Nenhuma dor é o teu nome
deus te abençoe deus te enviou
Ouvindo trombetas
leio o papiro divino
Nada me fala
em metáforas senão sobre mim
As trombetas sopram
e a voz de deus ecoa
Mandamentos eternizados
em pedra e cravado está
Ele me manda subir
como fez com Orfeu
E quando cá estou
esta terra disposta a me amar
Este paraíso
feito de lagoa, mar, restingas, trilhas
Um espelho do qual
tenho engolido e me fartado
Em paz e dono de mim
resgato-me ao ar livre e ressurjo
Quebrado e sujo arfando
e mais um sopro de vida
O pulo do gato,
o passeio do gato nas telhas, nas calhas
Nas bicas pingando
água limpa na boca, na língua
Nas têmporas franzidas
do gato buscando calmaria
Sem saber que chegarias
sobrevivo e convalesço
Mais sede de vida a cada dia
Sublime é a minha vida
e que assim seja
Vida, vida, vida,
sol, sal, lagoa, mar, vento e ar
Pássaros, silêncios,
cantos, canoas, descansos
Foste o enviado,
o recado, a metáfora de deus
Confirmando a criança feliz
a luz da qual me fiz
O caminho pro futuro,
a resposta em carne e osso
A fusão dos nossos sorrisos
é a imagem de deus.
II
Estou eu por aí de novo
circulando nos botecos
Gargalhando pelas ruas
nas noitadas muito loucas
Bêbado pássaro noturno
voando rumo à Barra
E você que da cabeça não me sai
pelo rastro da lua vai
Vôo rasgando sozinho
por essas avenidas iluminadas
Vendo, sorvendo
os colares de luzes das estradas
Bebo à Ponta Verde
e seus coqueiros de Miami passam
Gozo da lua no mar
espelho negro e prata de luz salgada
Estou eu por aí de novo
levando alguma figura pra casa
Ouvindo a revoada de pombos
no silêncio do cais do porto
Botos no final da tarde,
broto tão massa que o peito arde
Mar, gordo mar, porto-mar volta e meia,
maré cheia, alto mar
Ondas selvagens quebrando
pedras no sal da vida queimando
Estou eu por aí de novo
sobrevivendo sem maldade
No eco da solidão carregando
o veludo vermelho da saudade
Estrada de barro,
piscina de água claríssima
Pontes sobre mares e água doce,
dulcíssimas
Tanta brisa na varanda
inverno peito ardente e eu tão somente
Vento marinho
praieira vegetação cresce verdejante reluzente
A Rhythm & Blues Radio
toca nessa tarde o nosso amor poente
Abraço meu corpo chorando na chuva
que não pára de cair
A juventude desse vivo-morto
há de ressurgir nesse jardim
Plúmbeo céu das cinco horas
quantos amores hoje e outrora!
Renegando a solidão
arrepio e anuncio teu amor maior que a vida!
A solidão é um espelho
e quem se ama não despenca
O reflexo do passado
é um telão atrás de mim quantos anos vivi!
Cada volta é sempre menos inocente
e a ida lhe traz mais reticente
Estou eu por aí de novo
nu, vazio, louco pra te encontrar
Com a certeza que você me ama
e que a gente nunca mais vai se acertar
III
Desta vez quando você se foi
Cobras do campo coando pelo arrozal
Rios esquecidos de clareiras de água morna
E ratos brincando com gatos
Tua alma pairando suave na sombra
Bonança dos tempos
Vida umedecida e doce com você
Depois que você se foi
Mato crescendo nos séculos de Marechal
Paz habitando nas ruínas do presídio
Quando você se foi assim abrupto
Sua imagem que dor
quando você do carro desceu
Estático no ponto de ônibus
seu sorriso e seu adeus
Meus olhos marejados na estrada
E a cabeça na foto de teu corpo
parado no ponto
Sua alma partindo comigo
colada, grudada amante amada
IV
O mais legal nas suas idas é a sua volta
Vai sair, vai amar, a vida é mesmo assim
Mas esse mundo que a gente construiu
É mais sublime que o que o substituiu
Você me ama e é minha mão delírio
Minha boca faz gozar a alma do seu lírio
Mãos e bocas viajando na brancura
Desse corpo macio, gelado, na secura
Seu caminho da felicidade dá num céu azul
Se minha língua busca seu órgão entrega
Se meu tato esfrega, seu tato se adéqua
A gente fez um mundinho pra viver juntinho
Imaculados pelo mar e pelo ar, vento Nordeste
Bem-te-vis te vendo voando te vendo voltando
Nossas almas acoplam-se perfeitamente
Carne e osso de um corpo só
Perfeitamente erguidos em simbiose
Engravidados de um nós osmose
A realeza dessas comunhões
Não se deixará roubar por nós, ladrões
É nesse ponto que sua ida é sempre volta
Nesse ponto para o ônibus, abre-se a porta
Lotado de anjos e trombetas pressagiam sua rota
V
Tá tudo bem amor
Vai com tua gula pra vida
Que volto cansado da noite pra casa
Na nossa estória
Não há ganhador nem perdedor
Estão paridas duas almas antes unidas
Rompamos com as amarras
E arranquemos das carnes essas garras
Quem sabe assim a gente entenda
Aceite a distância e a divina oferenda
Que o ciúme é monstro verde da lagoa
Que a solidão aprisiona e entedia
Que nenhum amor sobrevive sem autonomia
ESTOU ME DESPEDINDO...
(para Letícia Elena)
Estou me despedindo, despindo
De todo o egoísmo, adeus!
Não quero mais falar de ti
De “eu te amo”, “que saudade”
Até não mais, amém!
Agora é só linguagem de ondas
Luas, lagos, bichos
Matas, olhos verdes
De calmaria e dignidade
Embrenhar-me no pantanal
Japaratinga, jaguatirica
Vaga-lumes, vagos homens
Amanhecer, entardecer
Com o canto dos pássaros
Cobras, lagartos e bromélias
Pra minha varanda
Levo apenas
Dois olhos verdes
Que não se cansam
De orar por mim
Sob a luz do candeeiro
Vela de uma vida inteira
Meu gato
Meu violão
Minha canção
E o coração lá
Preso na beleza
Da vida em natureza
Meu último adeus
É parar de escrever
A teu respeito
Peito, leito
De rio vazio
Seco, seca
Sertão, agreste
Erosão, cacto,
Solidão
Enquanto a terra racha
Seca ao sol à pino pena
De ave de rapina
Corvo, coruja,
Lagarto da meia-noite
Olhos abertos,
Jacaré astuto
Um lago imanta
Terras úmidas
Nicho de vidas
Minúsculas
Moluscos
Lesmas
Relva verde
Verdes olhos verdes
De lago ao largo,
A cotovia, o uirapuru
Cogumelos de boi Zebu
Lua cheia, céu estrelado
Noite úmida de humos
Grilos e pirilampos
Alumiam minha vida
Calma, agora doce,
Água doce, doce mel
De abelha pote
De barro água de pote
Varanda de madeira
Vida toda de deus
E eu por ela, por ele
Por esses olhos verdes
Que me levam, elevam
Penetro d’além mar
Meus tambores vão rufar
Cordas, acordes, acordoar
Acordar manhã cedinho
Embevecido de olhar
Pra frente pra cima e pros lados
E nunca mais
Virar estátua de sal
De pedra e sol de dó
A saudade é um quadro
De natureza morta
Amiga irmã da transformação
Que me faz renascer
Cada poro em comunhão
Com o amor, amigos, irmãos
E vinho produzido no quintal.