sábado, 4 de abril de 2009

DO AMOR INOCENTE




























































































































































































































PREFÁCIO



Alexe (Alexandre Câmara) expõe até as vísceras. Linguagem de músculos enrijecidos, dentes trincados de dor, olhos alucinados entre a morte e a paixão.
A voz de Alexe sai jorrada mas mantendo sempre uma coerência. A coerência dos iluminados e, por isso, “loucos”.
Ao se deter sobre seu amor, ele nos dá um exemplo clássico do que seja uma passionalidade; acrítico, abalado, impregnado de um sentimento que chega a anulá-lo, ele se põe servo e adora-o.
Em se tratando de características gerais, Alexe vem da tradição de Walt Whitman e Allen Ginsberg, ambos grandes poetas norte-americanos, que fizeram da estrada mais do que um divertimento, uma religião.
É na estrada que se encontra uma vida inesperada, multiforme, qualidades que se diluíram depois que o homem, através da Revolução Industrial, mecanizou em todos os níveis o nosso dia-a-dia. Seguir viagem, sem casa definida, sem emprego definido, foi um paliativo para uma sociedade que ameaçou “por tudo em ordem”, e cumpriu.
Assim como eles, no entanto dando uma versão personalíssima da literatura “on the road”, Alexe fala de drogas e de namoro de pessoas do mesmo sexo, não com uma atitude engajista, panfletária, mas de alguém que está além do “normal” sem ser anormal e, sobretudo, com naturalidade e paixão.

Patrícia Vasconcelos (Pavas)



I

Ah, meu doce! Vai eu saber em qual dia antigo, em qual tarde solitária em frente à TV, em quão tenro e distante tempo eu te esculpia em meus sonhos como a uma estátua perpétua de pedra. Em vem hoje Safo em mim, de tanto eu beijar o róseo macio, o róseo de luz de tuas maçãs. E vem mais. Vem mais que Safo, mais que o tudo sonhado, mais que o sonho. O real me estica de mim como chicletes alcançando o próprio recorde. Sou a felicidade tola de ver cadentes estrelas, fazendo pedidos secretos. Sou o que ainda nem conheço. Que cor escura mostrará tuas lágrimas senão a da tua força? Onde existirá a desistência dos risos agoniados, das rugas, dos olhos de peixe meia hora no teto? Vai que não existe espaço, vai que não existem rios limpos, vai que não se concebe a felicidade. E daí? E se o mundo inteiro ruge e geme de pau duro e podre? E se veias, de sangue, mais não sentem falta? Ah, meu doce, confiro em mim uma delicadeza de viver que me compensa o resto e a distância, por meia hora que seja, me faz delinear teu rosto em minhas mãos e não parar de pensar na verdade que se exibe de dentro pra fora de tua vida. Se o mundo se omite dessa fábula, dessa cápsula, dessa criação interna... de lugares extra-vividos, extra-estratégicos, faço eu minha cama macia donde vejo o mar, o rio. Inteiramente no cio de uma vida mais pura, mais alma, mais calma. Mais água límpida rolando por nós, a sós, no doce caminho que é não mais rosnar feito lobo com sede, feito lobo sem sono à procura da lua na beira do mar.

I
Eu agora quero dançar uma canção em salões nos finais das tardes, em alpendres largos, com o sol por se ir. É a minha hora calma, minha conversa com deus. Só eu sei da paz que preciso. O branco do amor turva minha visão porque se confunde com a luz. Eu gosto de tremer de convulsões. Os violinos são a minha tristeza e eu os quero na minha felicidade pra mim mesmo e para o meu amor, que por bem mereço.

III
Eu me deixo nu, amando a existência de cor e pêlos, no espelho do meu castelo. Balançam as cortinas da grande janela luminosa: eu vejo o verde e a luz congelada do sol. Pulsa em mim a vida como em nenhum outro tempo de amor. Há o sentido da matéria. É meu corpo útero - é o teu esperma.

IV
Numa pensão de Paris ou canto qualquer distante daqui. Nas caronas da estrada ou na tara da minha calça jeans. Por meu rosto e andar debochado. Pelo sapato rasgado e o pau marcado. Se amassando pra ti no meio do asfalto. Que entre a calça em minha bunda. Que queime ao sol, ao frio a minha pele exposta. Esticada de tesão à tua espera. Ah, meu grande, tem um baú de mim aqui pra ti. Uma fúria de rasgar-me todo, que me rouba do mundo e me faz carne e pélvis. Tem um louco querendo a chave da cela para explodir como uma flor carnívora ao se abrir, debruçando-se sobre tua agudeza.

V
Tu largaste tudo: dinheiro e amores. E entre eles estavam teus quereres, ilhas e flores.

VI
I Ching, Rajneesh, deus meu sou mesmo eu; razão, luz, verdade imensa, matizes das cores. Lunações, guiações, energizações, iniciações; anjo grego da guarda, céu azul, eternidade. A fazer-me gigante, enxergar calmamente com a força justa e meu espelho semblando irradiações maiores.

VII
Pássaro pequeno. Frágil. Uno. Preso nos ferros gangrênicos da história oficial. Ah, meu amor, não percais nosso céu.

VIII
Tiro as roupas de cima de mim e minha cabeça está bêbada, está nua e se ainda não me cabe a força te mando pra longe do meu corpo. Ficarei nu, exposto aqui para qualquer transeunte que me agrade. Luta louca, mais que tu, emigrante aportado em mim, de presas cerradas, sem consideração. Quando foi, quando que tuas palavras sobrepujaram meu dorso de pedra? Uma doença energizante teu amor contagiante, de fogo. Quem já amou uma vela a queimar e queimou-se no calor azul de sua luz? Igualmente portos, igualmente sonho deságuas em mim, vertente de morte, espuma e cascata desmaiante de beleza. Ah, meu ser vampiramente amado se me desdobro não quero parar no caixão dos vales e vou às tundras sombrias, molhadas, escuras para que brote a energia da noite na minha mágica negra de amor. Sendo possível, me grites a dor; minha cabeça se retorce enlouquecida, procurando a verdade implorada a deus e isto é o que acontece quando se ama. O bem está no corpo dele e a força que me rege é a maior do mundo.



IX
Ah, meu príncipe, são nossos os caminhos íngremes. Vitória, rota milenar no cosmo humano. Estradas, caminhos, territórios extraditados, celas exiladas, camas vazias, vazias, vômitos no porto recusamos. E, meu amor, não vês três vôos de pássaros no céu, nem consegues o esquecimento do nervoso burro. Não percebes o que é efêmero, o que é apenas mais um gozo de auto-afirmação. Reverbero a humildade secular e meu perdão se expõe de mãos postas e de joelhos ao chão. Se três taças eu quebro na parede e lágrimas caem no meu pau, que é seu, se lambuze de mim como o deus e o ateu percebem o céu. Ria como se anos-luz aliviassem seus medos. Tens, ao mesmo tempo, cabrestos e olhos cegos, lentidão e escândalo de luz. Pouco adianta o drama ou a cena. Fiques de prontidão para localizar momento tenso. Imenso amor que faz calar, faz perdoar e dedicar vida sofrida para quem merece luz de velas no quarto, para o que merece beijos. Fim ao instante ignorante. Ah, meu príncipe, mentor cansado de caminhos errados, exaurido em solidão imaculada, direcione o eixo do neon nos caminhos lentos das noites iluminadas, onde passeias torpe por entre latas e poças de chuva. Há um céu azul em nós e vários sóis a constelarem o véu dos efeitos premeditados. Há vários de nós a sós e o meu querer te salva da solidão.

X
Como a verdade do gosto rasgando a língua, da letra riscando a vibração da aura. Como a certeza da existência da verdade, como a saudade do sangue e da areia. Onde estão as vielas já que se apresentam assim: de enlouquecer, de grito certo? E assim entorto-me no meio da noite. Parasita, psicopata movido à luz. Todas as selvas são dorsos. Esperam meu dorso ou meu urso furioso. Os ratos estão se matando por bosta e estou muito perto deles. Quem sabe o licor da sacanagem ou arriscar ser belo perante o belo... a dor é conseqüência e o amor, necessidade maior. Pois, deus, os deuses animais já o esperam. Milhões deles são humanos e a máxima verdade, a mais importante delas é que o amargor já crava o peito dos nossos anjos, como se não houvesse mais saída. Então, deus meu, que és a própria beleza, as portas estão todas abertas; gele o esgoto brilhante do inferno luxuoso. Queime o que falta e fosforesça. Queime, brilhe o que brilha, brilhe.

XI
Agora eu me sinto inteiro. Na hora em que a verdade brota e floresce. Sim, estou vivo e, mais que nunca, amo. Coisa melhor não há pra fazer e me pergunto se já houve em algum dia. Para onde seria o lugar, onde o paraíso de belos? Se amar fosse a única meta, a única coisa certa, quão forte seria a feição da escandalosa beleza no rosto, no estar vivo. Estar vivo. Sim, eu estou. Tenho no peito, justamente agora, a dor de não ser entendido pelo meu amado. Ela é maior que todos os nossos choros juntos. A dor de estar nos ninando sozinho. A dor de receber uma culpa enorme, e eu não tenho culpa alguma. Acho que perdi meu único e preciso amor e me derrenho aos prantos por sobre meu braço. E pela dor que ele está sentindo. Quem sabe caindo de bêbado. Odiando e amando, odiando e amando, odiando, odiando. Quem sabe no quarto me esperando para amanhã; não, eu acho que não. E todas as garças estarão no mar e todas as mortes serão recontadas. Os desencontros de toda uma vida escaparão como feras famintas. O tempo voltará a ser fechado e duro de frio. Sem beijos, abraços, amores, sorrisos, acordares. Sem poder concentrar a paixão ou gritar de amor... Ah, meu amor e eterno deus, eu juro estar aqui neste mesmo quarto. No meu maior doce querer. Esperando a sua chegada. Certifique-se: terrivelmente arrasado, querendo morrer.

XII
Mesmo na miséria da solidão a gente gargalha, se denuncia lindo. Escolhendo o andar, o jeito o rosto. Quer seja num quarto qualquer onde se more, quer seja no vício de olhar a luz.

XIII
Pronto: estabeleceu-se o seguinte: a ordem e o poder, dele. Meu corpo e movimentos relegados ao tom da segunda ordem. Em alto mar, olhando a luz na miséria, sou marinheiro bêbado, vestido de mim. És furacão. Desejo ser tão cruel assim. Apreender o ódio do mundo.

XV
Impera no mundo a nossa verdade decepada e o nosso monstro ou gnomo; rosa ou escorpião continuam firmes, caindo aos pedaços, de cabeça erguida. Cada dia um silêncio maior. Estamos entre deus e a Terra. A cidade é pequena diante de nós. No nosso quarto, juntam-se reis elétricos de cor. E nos vejo atrelados, emaranhados, a buscarmos o que não tem nome. Ajuntados pelo eterno, sufocados pela própria dor do amor.

XVI
O meu quarto é a minha bagunça. A minha vida explode em flores por sua causa mas só você me vê e eu quero mudar isso. Aqui no quarto me escandalizo com minha tez dourada e o mundo quer me ver. Entenda, por favor! Você me tirou de tudo e eu desabei lindo sobre seu dorso, seu rosto. Isso é não querer crescer. Vamos levantar a cara.

XVII
Da minha tristeza ninguém pode dar conta. Ninguém pode me dar o amoré de pai amigo. Sem desprezo. Sem castigo. E vou tateando o invisível, amaciando o impossível nessa dor de ausência. E a coragem de largar-me ao léu, sem amante, sem semblante... sem você pra me mentir. Na hora de me fazer sozinho não há espaço para a lágrima. Sozinho, vazio, sozinho, vazio. Não há crença, há desavença, morte, medo, perigo, decepção. Sou eu luzindo, resplandecendo para o eterno de deus-diabo. Ah, eu não quero mais a dor cravando o meu peito. A sua dor.

XIX
O amor pelo meu amor deixa meu quarto sujo e podre porque sujo e podre já me encontro eu. Sem capacidade de amar-me o bastante.

XX
O seu rosto demonstra cansaço. Eu me embaraço nos gestos e nos restos. Cobro-me saúde e paz para sobreviver. Para que meus olhos adoeçam de amor e meu corpo os sigam e meu corpo os sigam. Se gemo quando sôo, soe também e trema. E não descanse.

XXI
Agora, como já te disse, ninguém tem menos que eu. Tão só, cheio de luz pra ninguém. Nem o louco dopado, nem o parasita, nem toda a dor somatizada. Olhe pra mim, é tua navalha me cortando o corpo. Teu copo royphinado cegando meu olho. Desgraça, o desespero me apavora. Um nó se faz no meu corpo. Minha boca se escancara e eu quero trincar sua falta.

XXII
Quando os cavalos quiserem de novo serem alados vão ter que desesperar até a última gota, vibrar com os pelos jogados na lama. Apodrecer e ultrapassar o estágio verme até que cheguem no retorno magnífico das energias ansiantes, bêbadas de luz, necessidade imperativa. Será preciso que a floresta caia em suas cabeças, que o demônio apareça e deus dignifique-se em dar a luz ao que já é belo.




O AMOR DA ALMA

I

O melhor caminho é a sabedoria dos magos, dos paranormais, dos desajustados. Do esquizóide, do seu templo de glórias. Luz. Elevação. Amor que vale por cem. Deveríamos querer a docilidade da selvageria no meio desse pandemônio de pedra, de aço fosco. O ser humano é um fracassado que faz barulho por onde passa. Calo eu a vista na Terra e percebo o verme que somos.

II

A calma é o estágio divino do homem, o descanso e a satisfação plena. Eu posso gostar do meu pé gelando. Da imensidão turva da neblina à minha frente: a paisagem de silêncio ensurdecedor. Eis um silêncio sem dor, imaculado. Saio da escuridão assassina das esquinas e mergulho com os olhos esbugalhados no oco ensolarado gritando um sorriso pra mim mesmo.

III

Eu tenho tido medo da morte, dormido com o seu fantasma que me leva a buracos degradantes, humilhantes para meu cérebro desacostumado com desgraças; já tão cansado delas. Que o grande bem seja o despertar da lua mágica, o meu caminho que virá. Eu não quero cair na infelicidade. É preferível cair de louco e elevar a alma com a madrinha e tia dor. Eu prefiro morrer drogado, estatalado em poesia.

IV

No meio da noite eu consegui viver de novo o disparate. Meu olhar se locomovendo a todos os impulsos. Minha vida sendo um risco. Na corda bamba da noite bêbada, onde não se pára pra pensar nos resultados das palavras. Elas expressam a palavra final, a verdade absoluta, a razão apaixonada.

V

Este homem lapidado, diamante puro, joga a tóia do cigarro com destreza comum à sua raça. São enormes os seus goles de cerveja e indiscutíveis. Nele você pode perceber a nitidez do sentimento pulsando. Talvez ele consiga lhe amar se você reparar bem nos seus íntimos detalhes. Veja como ele se veste, como é forte a sua vontade e como faz roleta-russa à todo instante! Com isso ele quer dizer que é só passageiro, é viajante. Que preza o momento, o agora. O estar vivo e não ter rédeas, os cabrestos da humanidade esfacelando a sua vida.

VI

Ele chegou. Seus cabelos delineados no dorso. Um corpo forte na camiseta de vagabundo, no desbotado de sua calça. Mas sua vida raiava em luz. Que peitos havia ali! Quantos choros, quantos gritos, quanta descrença. Ali estava uma vida única. Ninguém havia senão um só. Dono do próprio destino, dono do próprio desastre. Amante eterno, vivo pra sempre, monstro da beleza.

VII

Recordo então suas palavras cambaleantes. Sua fraqueza à minha frente. E eu tentando ser humilde, menos que você. Tudo isso para lhe conquistar. Pra beijar além da conta sua boca. Para além do beijo humano. “Quem tem razão?” – você a elegia pra si e eu não sabia mais com quem ela estava. Como achar razão em Dante, em beat, em sobrenaturais? Como fazer um anjo entender o meu amor por ele? O que fazem os anjos aqui na Terra senão gerar prazer e dor?

VIII

Quando a minha paixão entalava na garganta, a dor prendia a respiração e você nem se virava. Como se não reluzisse no seu, o meu rosto pegando fogo. Talvez a falta de um detalhe em mim... Eu sempre achei que você me via pelas costas porque não conseguia me olhar de frente. Eu poderia lhe seguir aonde fosse. Eu poderia nunca mais deixar de lhe cultuar, realizar minha vida olhando a sua. Meu grande amor, meu bem maior. Até hoje ainda penso em sua boca, sua língua, sua cor.

IX

Amei o mar num êxtase de contemplação e cumplicidade. Vivi dentro dele. Horas e horas olhando o sol, boiando. Tardes levemente drogadas de paz ardente e, por isso, de frêmito, de agonia. A felicidade agonia. O mar quebra em tufos de flores brancas e se espraia suave pela espuma. A água viva. A água tem corpo e alma. A natureza em que se constitui tem a força da vingança justa. A doce vingança dói e chora.

X

O meu amor foi embora e levou de mim a sua vida. Os seus ouvidos, seus elogios. Levou de mim a sua carne e o seu filho. Levou de mim seus benefícios. Carregou sua coragem para longe. Sua aventura desatinada, seu desespero de amar. O meu amor foi sem ir e virou zumbi. Virou seu amor pra outro bem.




ALMA MORTA


I

Eu sou uma música perfeita. Justamente agora. Ainda bem que me amo, ainda bem. A tristeza rondando corpo e alma. Há algo mais vil que a mesquinharia? Aprendi a não sofrer quando eu minto. Isso não parece certo mas hoje eu bebo menos. De vez em quando eu penso que não é preciso lutar. Mas sou um esquizofrênico lúcido. As regras desse lugar são parcas em nível e eu tenho que descer do meu antigo altar. É como uma queda da alma, um baque doído. Eu falo mesmo é de uma alma morta.

II
Alma morta, mãe de mim. Filha pródiga do sétimo céu. Anjo abençoado pelo meu coração de lobo. Contigo devorei o mundo em sete dias. Nutri-me numa mudança de estado. Foi uma febre, uma petrificação da água. Quero de ti só a lembrança da bonança dos tempos, dos séculos que se passaram e se passam assim: cinzas. Eu te matei minha alma sã. E ainda estou de luto. Ceguei teus olhos com meus dedos. Ceguei mesmo! De que servias? Ninguém te amava?! E agora te pergunto, irmã da sétima visão, dona da minha luz mais pura e vibrante: como vou ficar ereto? Como um falso? Só me resta o consolo de não agredi-los. Isso pode ser amor, não é?Eu vou virar bonachão ou santo? A sétima luz ainda vai me guiar! A única coisa que eu quero de ti é a lucidez e eu vou arrancá-la com um dedo só!

III
Reluziu no escuro do quarto, na madrugada insone, cinematográfica, no meu corpo angustiado, alucinado. Precisando do descanso dos bosques gelados. Tive sonhos tão péssimos, longínquos. Quase que me rasgo de novo. Será que a vida era um inferno? Havia sempre o nobre, era por isso. Voltei de lugares, ileso, com a grande alma. Devastando meu corpo com um punhal. É engraçado que eu ainda me pegue vivendo o além, as terras da alucinação e a lucidez esmague meu coração! Este deve ser o momento do desmoronamento.
IV
Há poucos dias um louco alucinou por mim. Passou dias me sugando e tropeçava na língua, pobre tímido. Não ousou por medo e covardia. Não conseguiu ultrapassar a própria tirania. Este louco fez pior que eu. Ele nem mesmo ousou sonhar a prática do amor. É um absurdo! Um homem sem alma é um histérico. Ele grita preso na própria armadilha. Um homem assim é um perdedor. Minha paixão passou tão rápido que eu me apaixonei por mim de novo. Por mais essa conquista dupla.

V
Passou uma chuva, uma chuva forte. Estou preso na felicidade. Não quero mais me matar pelo mundo. Esse tema não é mais o meu. O meu tema hoje sou eu. Já não é mais vale de lágrimas nem minha vida em nome dele. Faz-se justa uma luta social mas serei apenas defensor técnico. Minha cara de escroto, raivoso, tristonho, pedinte, de louco, meu rastreamento zangado, minhas pupilas, tudo que eu der será por mim. Apenas por mim e sem ser mau. Eu mostro isso!

VI
Foram doze cruzes. Gelo de mármore. Queimaduras na chuva. E o teu grito absurdo! Instaurado no ar feito armadura animada. Ruas, rios, veias, ervas, vento, caminhares pelos calçadões do mar de neutros visitantes. Ventilações angustiantes varriam meus cabelos à quinze metros de mim. Perguntar-me o que? Qual dia, mês e ano? Sobrava-me o rosto de asno fantástico vindo das fronteiras do frio. Onde o branco é mais branco, mais que em qualquer lugar. Eu gelei o beiço. Congelei-me alcoolizado. Gritando o nome do verme. Dando pro verme o amor mais bonito. E vendo ele corar de vergonha na madrugada. É possível conviver com vermes. Difícil é se tornar um. Eu nunca quis.

VII
De toda a terra revolta. Das vastidões, dos temporais. Das avalanches contundentes. Das emoções de pico. O altar da loucura reside no arriscar. Oro agora e peço obrigado à vigília que fizeram por mim os mortos, que fazem por mim os vivos. Que revelam a verdade da minha força. Ah, céu revolto! Ah, mar tempestuoso! Impérios de mim sejam levantados pelas estradas, cidades do mundo afora. Plantem, comam a minha beleza. Eu estou vivo e sou bom. Neguem isso.



VIII
Olhe, em cada gota de álcool, em cada baforada esquisita tem por trás o nome de deus. Reside aí a força do ódio. Quanto mais deus houver mais ódio haverá. Todos devem vingar o próprio nome para que se faça luz. Olhe e negue: a morte não é a causa da loucura? O homem deveria estar preocupado com o pôr-do-sol do meio dia. Com o pôr-do-sol da meia noite. Com o sol se pondo no casco da vida.

IX
As portas do porto são abertas pra ninguém e eu o quero para mim. Lá está a vida urbana que eu queria ter. São pedras estatalantes de cinzas mortos com o mar de fim de tarde. É uma pista asfáltica cheia de silêncio, na beira do mar. A divindade de seus postes delineando a curva. Onde meu coração se ajoelha, reza a canção dos eternos e a vida desce pro rosto. Há andorinhas, revoadas de pombos, mato, espinho, conchas, ouriço e corais parasitas grudados nas pedras. Há silêncios e pequenos detalhes da vida exaltados. O mundo deveria ser mais silencioso. Quanto mais calmo, mais vivo. O mar exaltado dá mais medo que a morte? Quantos corações despedaçados choram estrangulados, esbagaçados pelo mar? O certo é que a vida esbagaça o cérebro antes. Eles caminham no fio de uma navalha. No sangra-sangra do amor maldito. Mas veja! Veja! Eis a satisfação da vida a brotar feita de fantasia na eternidade da beleza do dia, na tranqüilidade do meu rosto sério, pedindo mais descanso pra deus. Dizendo que o amor é minha tragédia e eu posso morrer por ela. A vida deve ser mais bonita sem amor? Responda-me alma insana! Que passa noites em asilos psiquiátricos cultivando loucuras de madrugada. Este é o porto. O lugar mais bonito da cidade. Proibido barulho. Proibido mentir.

X
Nortes e desertos. Caminhos mágicos. Céu de silêncio inabitado. Estou eu na torre implorando a vossas majestades que não me façam perder o brasão da dignidade. Para que eu sempre possa levantar minha cabeça da mesma forma que um deus levanta a sua.
XI
Faça-me jurar, céu divino, que por mim a luz descerá! Que por ti eu farei tudo! Ah, que momento trágico! A oração está sendo inviável. A loucura vai tomar conta de mim. Eu amo a vida. Ela me odeia. A vida me odeia porque eu odeio a morte. Este é o meu instante. É este, Jesus! A vida é a paz eterna! A vida é a paz eterna!

XII
A paz eterna me guiou pra vida. Três noites nos céus estrelados do deserto. Entardeceres deitados no gelo de minha alma. Digo de pés juntos: eu estou morto. Acabei de morrer ainda vivo! Viva a vida! Viva! Viva o raiar da felicidade! Viva!

XIII
Houve uma época que eu habitava o litoral. Na madrugada eu ia vê-lo. Os oitizeiros, os coqueiros baixos. Poucos carros na rua. Vivos só os loucos e a loucura, imperativa. Cada louco no seu silêncio. Cada um com o seu drama revelando um amor cúmplice. Viva o álcool e sua coragem! Viva todo o sonho dos principiantes! Nunca sofri tanto. Nunca matei minha alma assim.

XIV
Vale velado de cera, onde estás? Estou aí contigo? Me vai a calma da vida. Já choro tanto pois só tenho lembrança de meus brancos. Vida branca. Eu era cheio de vida branca. Agora ralo minha bunda nas calçadas. Quase vazio, como qualquer um. Eu devia ser esquimó! Isso sim é que é vida!

XV
São quinze veias abertas. Celas, laços, vozes. São quinze horas e a tarde está cheia de uma luz intensa. Vibrando como uma corda densa pra depois amainar pro vermelho amarronzado. Quinze belezas na boca. Quinze! Todas querem zunir. São as belezas encarnadas no sublime. São espíritos de luz na aridez do sol que rasgam a minha cara e eu nem sei como agradecer!

XVI
Venha comigo, meu amor. Venha ficar pela praia. Venha casar comigo. Guiar minha alma desesperada, desamada, estragada no esplendor da minha vida. Vem agora iluminar no terreno abandonado e de coqueiros. Venha ficar no mar, olhar coqueiro, areia, mato e ar.vem pra dentro de mim.

XVII
O que não sei explicar tem mais beleza que o que eu já sei. É como se a vida fosse molhada em álcool. Sempre evaporando. E eu na pista. Caçando o próximo momento. São regras próprias, ainda bem. Feitas por mim, para mim. Eu me arrisco como um piloto no globo da morte. Eu tenho licença de deus também.

XVIII
Eu quero declarar para o mundo como foi a minha época. Eu quero servir de relato e, minha dor, ouvida. Elejamos o próximo momento como a melhor coisa do mundo. Festejemos enquanto o poder se alimenta. Que criemos raízes no asfalto do planeta.

XIX
A fortaleza enfraquece. Como em qualquer guerra a força dos bravos também descansa. As canoas retornam do mar. A força descansa pra se distrair. Ver pessoas vale à pena. Ver a pena custa caro, se ganha uma fatia dela. De algum modo, eu sempre saio ileso.

XX
As cortinas se fecharão. Ele vai sumir da sua vida. Você vai fechar a janela. Sua é toda a culpa. Veja bem! Você vai desprezar o cigano! Vai desprezar seu sangue quente, mas não vai esquecê-lo. Ninguém nunca o esqueceu. Ele é o senhor maior destas redondezas. Ele é o melhor homem da cidade. Quem não haveria de querê-lo? Quem, de mente sã, o rejeitaria? Ele vai embora, a contento. Ele nem sabe que vai.


MANIFESTO PARA A NOVA ERA

(Para Luiz Cláudio Castello Branco)

É que o céu esconde mais que azul. É que o Cosmo move-se interligado. É que cada um é responsável pela rota do Universo. É que é muito mais que sério, é vital!!! Agora, quem vai ter os pés na cabeça simbolizando a perpetuação do caos e a cabeça fincada na Terra, para receber as emanações dos elementos naturais, numa última tentativa de salvação já que o mundo está funcionando em total desarmonia? O meu coração lastima a decadência humana. Eu quero uma vingança da natureza, uma tempestade decanal pois sou um todo que começa no homem e termina no infinito. Sou homens magros, mulheres esbeltas, gordas cozinheiras, negros e brancos e ricos e pobres e velhos e velhas e velhas bichas e travestis e santos e belos. Sou montanha fixa há quinhentos anos, rio que nunca é o mesmo, peixe silencioso, mares azul-turquesa, gaivota voando rasante, energia e vibração de pedra. Sou vento de furacão, ciclones em espirais, árvores estáticas, horizonte abstrato ao pôr-do-sol, chuva que nunca para, inundações no fim do mundo, silêncio absoluto. Sou o amor e a dor ao mesmo tempo. Dôo-me instintivo e escrupuloso pelo Homem, que não. O que faço aqui, no meio da morte humana, do mundo em chamas, do nada em que se transformou o viver? Roendo os ossos das brincadeiras e das leis que nunca cessam de prejudicar o que olhos e mentes vislumbram: a existência de tudo?! Que leis são essas? Que povo é esse, dividido entre os que destroem e os que calam seus anseios permitindo a destruição? Que raça é essa que se articulou em grupos fomentadores do egoísmo em detrimento da coletividade? Quem esqueceu, perdeu a chave, não quis abrir a porta da verdade que esconde a o maior segredo da humanidade criado pelos detentores seculares do poder! Qual o tamanho real do amor do homem? Alguém que ama mata de fome, de tiro, de eletro-choque, de reclusão, de tristeza, de ódio, de desamor, de solidão, do coração? Quem ama mata mesmo o objeto amado é de abnegação enauseante, sufocante. E a sensação do desejado é a de um torpor dionisíaco em noites de luxúria com Baco. Quem ama promove o bem-estar azulado na alma ou a cor que seja a vida para cada um. Como alguém pode controlar a febre de cores do amor? Nenhum regime político o privilegia. Qual a graça do Capitalismo, do Comunismo, do Socialismo, onde alguns se bronzeiam sob o sol refletido do vil metal e a maioria enegrece com Lilith, que derrama seu véu sobre dias e noites? De quantos cancerosos emocionais e mortos-vivos de hospícios e solitários infelizes e drogados de picos e picas e xoxotas e nenhures e algures; de quantos precisaremos para dar um grito, um grito de força, de faca afiada, de voz empostada, de dizer o que pensa, de explicar o que sente, de acender sua flama, de fazer brilhar a razão que expõe o inconsciente desejo coletivo de felicidade na mais alta harmonia de uma cítara com o vento? Na força e no cheiro de terra tão bravo e tão calmo quanto os ventos que lufam Luli e Lucina? E a Era, e a Era? Onde esta minha Era, onde está minha casa, onde estão meus travesseiros, eu quero dormir em paz! Cansei de voar sozinho pelos céus que a raça humana despreza. Eu cansei das ruas solitárias madrugada a fora, onde os transeuntes nada querem saber da melodia da brisa da madrugada, da beleza dos reflexos das luzes nas copas das árvores, ou das vias asfálticas destituídas de carros e imperativas por si sós. Eu cansei das noites em frente à TV, que geralmente transmite temas medíocres, com seu jornalismo de guerra em detrimento da paz sonhada. Programações nada preocupadas com a profundidade empírica e espiritual, com a harmonia continental nem com a igualdade entre os povos. Sem contar as drogas publicitárias que vendem, vendem e enchem de dinheiro os bolsos dos donos do poder. As regras do Poder Político é a culpada! A capitalização da Religião é a culpada! Ah! Pra que dono?! Pra que fome? Pra que tudo isso? Eu cansei de fumar maconha pra levitar, pra afastar você, pra facilitar, pra felicitar, pra interiorizar, pra amar, pra viver, pra morrer de amor. Ah! Não! Eu quero de cara! Eu posso aqui! Já nem vejo mais vibrações de silhuetas brancas em forma de energia bailando na imensidão cósmica, nem viajo mais em Láctea e outras vias! E das belas paisagens que só eu criei, conheço e que prá lá fugi, cansei! Temos que voar juntos! Quero levar minha raça para longe! Eu quero salvar, dizer de que de nada vale esperar! Vale levantar a bandeira da paz, a verdade da matéria, a verdade do espírito, a verdade da harmonia! Ah!!! Poder berrar de morte na cara do homem para que ele venha! Venha, venha, venha eu te amo, eu te amo minha raça surda! Livremo-nos deste nojo, deste fedor, desta podridão! Ouve-me! Vamos criar contatos imediatos com os deuses em qualquer grau que seja o amor e a força de ir, de crescer, de se elevar mas... juntos! Ninguém pode ficar parado. Estamos sendo destruídos! Preciso me juntar a ele que sorrir, que levou flores na alma, na mão e que se tornou bancário, escriturário, mercenário, vigário, operário, punk, suicida, alternativo. Que o homem peneire o poder tradicional, deixe de ser tolo! Ah! Será que é de mais uma guerra o impulso para a vida? Que burrice é essa? Eu quero que saiamos já gritando pelo mundo, pelo negro, pelo branco, pela árvore, pela Terra, pelo ar, pelo fogo, pela camada de ozônio, pelas geleiras, pelos metais, pelas pedras, pelos mares, rios, cachoeiras e cascatas, pelos animais! Pela vida de quem fez o que agora você desfaz minha raça suja! Me leva, minha raça! Desejo ouvir frases belas, vamos sair com frases belas na boca... boca de rosas. Rosas que o mundo tem que aguar antes que a Terra torne-se uma poça de sangue jorrando no Universo entristecendo o Cosmo e mudando o rumo natural para uma ciclicidade destruidora. Sou forte como uma flor, sou forte como uma rosa. Estou ficando fraco, tudo dói, adoece. Cansado e preguiçoso, não vejo a luz. Nada mais me alegra... a vida social me enche o saco! Escravo do trabalho, escravo da matéria, da moral e do comportamento que lobotomiza a selvageria. Todos presos num neurótico emaranhado que exila a felicidade até a arte escraviza nossas almas! Eu não quero ver as rugas no meu rosto, no meu corpo nem sentir mais o peso que carrego, o peso que carrego em minhas costas por causa de você minha raça fútil e obsoleta. Eu enchi da sua sordidez sem sentido! Merda!!! Será possível que a graciosidade e o descanso sejam apenas privilégios de poucos? E eu respondo com a mais pura verdade seja ela absoluta ou não: Nãããããããããoooo!!! Nenhum de nós pode aceitar a risada cínica dos poderes e os acordos e desacordos sórdidos dos continentes. Ah! Ginsberg, onde está você? Eu quero o seu Uivo, a força dos beats, dos hippies e a lucidez dos loucos batendo na cara do mundo! Os índios, os magos, as bruxas, os orixás, os iniciados, os esmoles, os abandonados, os revoltados, os boêmios, os amantes apaixonados, as crianças, os vedas, os maias, os incas, os anarquistas, a antiga civilização egípcia, a astrologia, os andróginos, a filosofia grega, os extraterrestres, Jesus, Osho, os holísticos, os esquizofrênicos, a filosofia oriental, os altistas, os músicos, os poetas, os bailarinos, os pintores, os literatas, os cineastas, os ecologistas, os antropólogos, os xamãs, Zaratustra, todos que foram calados, queimados, assassinados, desmoralizados, apedrejados, crucificados, esquecidos, internados em asilos psiquiátricos, todos reunidos para fazermos valer o nascimento de um novo mundo!!! Quem é você que fala em misticismo? Quero viver milhões de beijos, de seixos, de brincos de viúva e as cores puras de amor. A beleza de ser total, radical, pra vencer e finalizar minha própria cor. Pra não ser mais um que bebe nos cristais roubados e come pedras preciosas para alimentar o ego fantástico. Que cheira cocas fúteis por tédio nos deques de frias e cruéis piscinas cintilando um azul efêmero e ignóbil. O místico em nossa era pra gritarmos universalmente, pra mantermos elos indestrutíveis sob e carcomendo a volúpia do poder mundial. Pra mantermos contatos que traduzam um amor roxo, roxo, roxo de esperança! Esperança que a Raça Humana possa levar à boca cachos de uvas verdes em tronos escarlates e dourados de leveza. E, como as folhas, sorrir com o vento ao olhar o balé dos campos bucólicos. Descansar em arejadas tendas brancas cheias de almofadas cintilantes. Que a Raça Humana possa regredir na maldade, no egoísmo, na ambição e equilibre razão e emoção. E beije, e goze, e sorria, e sonhe, e embeleze, e morra menos de insatisfação por ter em si uma amplidão de amor e beleza e não encontrar na Terra o seu espelho eis que tudo gira em torno de dinheiro. Matam os amantes da vida toda vez que tentam falar de amor com intuito de regenerar a raça humana e de salvar o planeta. Porque ele continua ignorante? Esses amantes são anjinhos, são pequenos deuses da poesia, num mundo em que ser deus não significa nada, e não é muito difícil destruí-los. A religiosidade que prega a igualdade e luta por isso ou se faz cumprir passa ao largo do Poder Político. As que estão imperando permanecem mortas e prisioneiras do vil metal. Deus é tudo e são todos. E eu jogo minhas pedras preciosas em forma de pétalas rosas que tecem auréolas sobre as cabeças humanas e oferto sem saber a quem todos os meus bens que vertem a mais íntima verdade, vontade de doar e vaidade de ser e poder receber e poder me levar como água límpida de riacho passando por paisagens e umedecendo pedras e musgos. Me deixar correr por entre as idéias universais e beijos na humanidade que é o mesmo que beijos na boca do mundo, do Universo na minha boca. Quero que usemos o poder de discordar e o de nos dar ao respeito. Realizar nossas vontades infinitas para sermos totalmente felizes. Destruamos todas as velhas estruturas sectárias e imexíveis. União para criar outro mundo. Eu não agüento mais a banalidade e a infelicidade. Quando e de que modo mudaremos o retrocesso da dignidade da raça? Cansei de servir ao sistema e contestar em passos lentos. Como ter um discurso universal escamoteando o cerne da mentira social? Eu questiono professores de sociologia que cagam em privadas porque, estatisticamente, a maioria caga em privadas e isto é definitivo! Porque menosprezar os pequenos grupos que resistem bravamente como os índios? Para eles somos todos números, resultados de pesquisas. As instituições não farão nada por nós e ainda somos obrigados a trabalhar com cabrestos, como cavalos de olhos vendados às magníficas visões dos lados. Qualquer instituição serve, guia, obedece ao sistema e o sistema morreu, sangra fortemente vermelho e nos mata de dor e medo e humilhação. Aonde vamos parar senão nos amarmos muito mais? O amor é a salvação do mundo! O dia a dia deve ser uma poesia, um cheiro de flor, um passeio na mata, uma melodia lenta de harmonia suave e o ar, possuir uma eterna fragrância de vida. Como profissionalizar a verdade se a profissão é o senhor de nós e nós os escravos? Que as profissões existam para nos fazer sorrir e alegrar as nossas vidas. Beijos quantos serão necessários, quantos serão precisos? Quantos beijos na boca do ânus da sociedade para que as faces humanas resgatem a tez rosada e, só por isso, brilhem demais? Estou à procura da vida, de salvar e ser salvo. Salvar os peixes do século que amargam o preto que paira no céu, o preto que paira na Terra parindo peixes sujos. Havemos de procurar nossa unicidade feita de matéria e espírito para elevar nosso equilíbrio resgatando assim as riquezas humanas e curando a grande ferida que fere nossa aura nos deixando coxos perante o Cosmo. Não precisamos mais de ídolos mancos ou perfeitos. Seremos a nós e ao amor. Amemos a quem bem encontrarmos. Amemos ao centro do corpo, ao centro da alma. Amemos.


SÓ O FARDO DE DEUS, SÓ O MANDO DE ZEUS, SÓ A CRUZ DA PAIXÃO

E na eternidade do ocre embalsamado broto eu a vaguear minha turquesa e vinho de bálsamo nos delírios mortais, vitais, vivos demais. A procurar meu canto, meu cheiro, erva e líquido, como clorofila no sol ou água na pele. Sabe deus dos desejos pequenos e de novo deus sou eu. Sei lá de deus ou de imaculadas misérias! Quero quase pouco e quase luz. Quanto se tem que se vir à tona, quantos vales velados de cera e lágrimas concentradas? Acumulam-se lástimas e meu corpo é pouco. Meu copo é sangue de morto a beber-me o passado... lentas tardes de sementes paridamente abortadas em cristal. Vagamente, eternamente passa o cheiro do passado e cheiro o mel. A melar-me de mim, nos becos de mim, em cintilância própria. A vagar-me nos quartos de Paris, nas ruas, no tempo fechado de Paris. Vagueio aqui sob o pesadelo monstrengo do século cinza. Em minha casa há cristais pequenos, estilhaços enlameados de mármore. Cobre, cobre e quase fel se faz o céu do meu; acúmulos proscritos, sabidos de sempre. Quem onde e quase nunca se saberá nem se chegará ao valor real da mata sangrada de sal. O meu sal não é mau. O meu sal não é mal. Qual o caminho a tomar nesse sono. Em que mofo, em que rombo velar os últimos anos? Só o fardo de deus, só o manto de Zeus, só a cruz da paixão. Contarei contas, cortarei em faca de pontas as minhas mãos. Sabe o amor que assim se faz, que em mim o amor é mais a brotar feito luz, a jorrar meu sangue nessa cruz de fé e santidade ao pé da distância sagrada das torturas. Que me venha meu único homem, meu único canto e hino nesse meu caminho que agora eu descubro sem par. Nada, nenhuma gota sequer pode ser de alguém, nem mesmo a mata sagrada de canto calado, de som silencioso. Repito o grito surdo do réptil despercebido e seu movimento muscular, vejo o mundo como ele vê o céu: de azul desconhecido e a quentura de brilho em seu dorso cinza, áspero... como teclas notificando descendências e ancestrais trago em mim curvas de minha própria cor amada, em véus de pêlos oculares. Renovai em mim, oh, luz, a cor da pérola quebrada no céu, o estupor da queimadura leve do sol amanhecendo o cérebro; o meu desejo lembra a própria temperatura. Sei hoje de mim que no silêncio tudo é sombra calma, morta e viva, suave como sua tez. No silêncio tudo é sombra cheia de amor. Ausente se faz a solidão densa, de pirâmide. Descendente de mim a parir-me em milhões no escuro de sua luz, no apagar de sua luz. Bombardeiam e trituram suas serras elétricas e gases inflamam o peito adocicado, regado em broto verde que fura meu corpo; nada mais acaricia meu corpo senão minhas pálpebras, nada mais acalma meus nervos senão a solidão, o que não se pode tatear. Eu me encontro flutuando no véu negro do escândalo de ser apenas alga-viva exposta ao sol, exposta em coral no marrom da pedra macerada por mil anos. É trombose, escabiose, metamorfósica e metálica a tez do tempo demarcadamente humano a ranger-me o couro, a rasgar-me a decência, exigindo a decadência dos meus pêlos mudos. Torpor, furor, a destruir vigor de ser calor, luz, amor; eu me destruo no silêncio do amor e os animais não sabem que eu existo. Curas, drogas ou ervas medicinais não trarão de volta a mim o que me tiras, oh século desestimulante! Oh, tédio de ser unicamente um só! Sem dignidade me jogas em teus espelhos exigindo pus e pus e pus – luz e luz e luz! Oh Terra amaldiçoada! Querem de mim o cetro, querem de mim o pão, numa putrefação de osso e carne da vida viva. Retorço o meu nariz e olho o espelho brilhante de deus; faz-se regido em deus o ar; faz-se regida a luz. No recusar do pesadelo, no espocar da vida amada, vida artista.


PRO ETERNO DOS PÁSSAROS

Cala! Eu te quero fora desse quarto

Do quarto D-16

Cala! As palavras, outra cela

Pra mesma cela

Cala, não pede SOS, não pede alta

Cansei das gramas dessa jaula

Vem beijar a vida aqui fora

A porta mostra a luz calada

Cala a dor vermelha do grito

Cala a verdade das verdades

Não derrama água e sal na bata branca

Água, sal e sangue

Cala como os pássaros que não sabem do tiro

Como as árvores que não sabem do aço

Com a nítida certeza da fala

Com a íntima nobreza do ser

Fala! Diz que foi erro grave discordar

Mesmo que fale tremendo

Mesmo que de peito partido

Fala pensando no fim de todas as portas

No início, no início, no início!

E quando chegar na porta de saída, cala!

Olha pra traz, prende o choro

Deixa tua luz pra todas as almas

Beija a dor de cada irmão

Os únicos amigos

Fecha o portão dá três passos

Joga os farrapos no chão

Agacha-te arranhando as costas

Nas grades implacáveis

E clama ao amor por perdão

Eles só sabem o que fazem

Num choro ininterrupto

Deixa os soluços cessarem o ar

E fala e geme e grita sem compreender

Abraça teu tórax são braços de carne

São tu sem camisas forçosas

Sem remédios na mente e voa

Como o passarinho que não sabe do tiro

E levanta e pega tua trouxa devagar

Enxugando o rosto e pensa e lembra e rir! E rir!

Eu te espero com o céu, eu te espero nervoso

Roendo as unhas do lado de fora

Com um sorriso na boca, com um abraço pro teu

Com lágrimas caindo nos teus ombros

No teu corpo suado

Aos vôos! Como pássaros cicatrizando

As penas cobrirão, recompensarão

Acelerados às imensidões

No silêncio das árvores que não sabem do aço

Na distância daqueles que levaram tiros



ESCÂNDALO

É um escândalo que me devora as vias do destino humano
Estraçalha pedaço a pedaço
Na minha estória se crava a dor

Saio sério dos destroços
Meus cabelos derramando
A chuva no rosto
O rosto na noite do frio

Dilatou-se o petrificado sangue do meu coração no sol
Ardor sufocante exaurindo-me em você
Deus apaixonado concentrado de nada e tudo
Procurando-o por duas bêbadas semanas no meu quarto de flores

Expurgo eunuco de fruta madura
Cai meu rosto na cama em detalhes calados
Pelo ocre peludo de tua carne distante
Perto e longe
Meus olhos me dão amor



E O RESTO DOS BEIJOS...


E

O

Resto

Dos

Beijos

Ficam

Pra

Nunca

Mais

...




A BOCA DO ÓRGÃO GENITAL

Mas é absurdo!

Sex-shopping diversões!

Adeus amor, sagrado descanso

Tudo por conta do tempo

Goteje rapidamente seu sêmen quente



BLUES...



Blues

Parque verde

Lago

Manhã

Sunshine



APÓS EU POR...


Após

Eu pôr

Aqueles óculos escuros

Para ver a árvore

Ela

Tornou-se

Da cor do gosto

Do sumo da casca

Do limão verde-escuro




ARLANDE


O vento

Que pega por trás

Entre o pescoço e os cabelos

Entra pela fresta da alameda dos cílios

E faz secar um pouco meu olho direito

Quando penso que o nome desta vibração

Junto com as gramas balançando ao sol

Chama-se Arlande




NÃO DÊ UM SORISSO...


Não dê um sorriso redundante

Ao canalha de rosto bonito

Mesmo que ele tenha olhos cor de mel

Com faíscas inebriantes

Toque apenas no piano

Que eu canto um blues pra nós

Em pleno dia de sol

Porque plenos devem ser

Os nossos passos pela areia da praia

Bem deve fazer o cheiro

Das plantas verdes

De flores lilases estendidas

Rameirando-se pelo branco

dos grãos da areia da Avenida

Quero mostrar-lhe como são

De um creme profundo no crepúsculo

Os grãos da praia de Jacarecica

Como é gordo e de palavras

Confortantes o mar

De Cruz das Almas

Digo ainda da junção

Das tonalidades naturais

Da última hora do dia

Da primeira estrela da tarde

Até o escurecer lento do céu

Cores que fecham meus olhos sorridentes

Confirmando quão forte

A força de ser puramente universal

Mostro-lhe meus olhos assim agitados

Bem sei eu...

Bem sei eu da calma que precisam

Bem sei eu o que merecem.



MEU GRANDE INCENTIVO...


Meu grande incentivo

Meu grande homem

Meu pobre menino

Meu par

Meu andar

Meu vigésimo andar

Eu vou terminar pulando




AS PAREDES...


As

Paredes

Flácidas

Do

Meu

Coração

Bombeiam

Sangue

Pro

Inferno

.



EU SEGURO A VELA...


Eu seguro a vela que não se apaga

Durante todo o caminho nas noites

Nem sei pra onde vou quando me queimo

E quero te soprar quando isso acontece




SOCIEDADE


A sociedade arruinou-se

Os poetas já foram lidos

Os sonhos de felicidade são em vão

E não há graça em sorrir para patetas

Tantos se fecharam em si

Poucos pensam em florestas

Eu quero as tundras

Lama grossa nos pés

Fecha, tempo!

Enegrece nossas almas, o coração

Ponhamos logo este luto

Esqueçamos os doutores

A espada que sempre foram

Fiquemos à parte

Virando loucos de não mais voltar





BIG BROTHER & THE HOLDING COMPANY

Como um freio radical a 120 por hora

Uma coragem decrépita e finalíssima

Morde e sopra sopra e morde

Transborda a dor e se auto-soluciona

Explode a bomba do desespero feliz de sê-lo

Desafina explodindo ouvidos melindrosos

Quem vai querer o vermelho escarlate

Quem vai querer o roxo e o azul-turqueza

Quem vai querer a verdade cheirando a bílis

- Um trânsito engarrafado

Verdade de um vômito de paisagens




EU DEIXO FLORES


Eu deixo flores na porta dos meus corpos

Exalo assim todas as horas

Pra quem quer que cheire

Pra quem quer que pise

Alguém sempre vai chegar

Mesmo até no cinza desse sertão

Eu deixo flores para o que passou

Na porta dos meus corpos eu deixo flores

Ainda escuto o bater das últimas portas

Eu ainda tenho as chaves

Estão no bolso por qualquer motivo

E eu passeio num jardim onde tudo é puro

Eu deixo a lembrança de mim pelas flores

Como em dia de finados ou em de aniversário de morte

E saio de branco, amarelo e azul para passear

Neu anseio é encontrar você aquilo e um ponto

E do ponto, dois pontos e um ponto final

O ponto final é a mediana de dois mundos

Um deixa flores na porta da luz

O outro deixa flores na porta das covas

Flores na porta da luz

Flores na porta da luz

Flores na porta das covas

Flores na porta das covas

Da janela me vêem

O sal mancha a parte branca do vestido

O sal dos meus olhos

E eu espero que o sol o lave o seque

Ela quer que o sol o lave e o seque




EU PASSEEI PELA ALAMEDA


Eu s pela alameda

Cheia de sombra e paz

E pensei em nós

Na calma do amor

Onde mais haverá amor, senão aqui

Lugar meu cansado e sábio

Cheguei perto da morte

Sei a cor da noite e dos seus homens

Mas eles não sabem a minha

Sei que a rosa é só uma rosa sendo a vida crua

Mas o amor é doce e tem traços perenes

Como a palma da mão

Como a paz sombria do meu jardim

Como nele, meus passos pensando em ti

Queria que você chegasse com palavras sãs

Silenciosas que você chegasse para sempre

Que pra sorrir assim eu acreditasse

Eu preciso de uma paz eterna

De um homem quieto ao me vir

Pra poder ser sozinho

Pra gravar meu nome no coração do mundo

Quantos beijos serão cortantes

Quantos tapas agonizados

E dores quantas serão sentidas

Por serem tardiamente efêmeras?

O meu amor de meia-hora – direi assim?

Larguei-o esta manhã – assim?

Não, nem pela última vez

Se tua loucura me fizer tremer o tremor-limite

Eu acordo azul anis e cheirando a violeta

Pedindo a suavidade que o barulho da tua alma

Atropelou

Pedindo, pelo centro do meu ser

A delicadeza da natureza sombreada



FOGO AZUL

(para Arthur Rimbaud)

Como as caravanas de Jim Morrisson

ou as barcas miseráveis de Dante

Caminho errado, decisão estúpida

Tradicionalismo-estopor,

abnegação absurda ao sistema

Embotamento contumaz da beleza

Cinza cérebro de pedra,

onde esqueceste o desejo de amar?

Onde tua mãe inquisidora foi parir

filho tão frágil mas de força azul?

Pai de idéias subseqüentes

que irão alvorecer

Holísticos serão os anos

que se aproximam

Mas ainda vejo a sociedade

vigiar teu coração

E apunhalar pelas costas

é a maior vingança, a pior delas!

As caravanas foram as navegações

da barca do tempo

Demônio azul, anjo azul,

príncipe incendiado!

Todo o corpo de fogo.

Tudo de fogo!

Energia que queima,

tremulação energética

Teima, teima a luz desesperada

de dor, miserabilidade vital!

Regozije meu peito desta coragem

de esbanjar eletricidade

Cavalo selvagem, cavaleiro com pelos de aço,

cavalgada em 88 graus!

É o fim!!! É o fim!!!

São mil pedras maravilhosamente esfalecedoras

Ilimitado prazer catártico,

decepção da arte de amar

Quando a peste total era e sempre foi o desamor,

dinamite explosiva

Ah, eu não faria isso.

Quem não haveria de ter sorte?

Logo tu, oh iluminado!?

Qual das vidas seladas com a morte

escondeu o brilho, o viço da luz?

Que brilhe muito e ainda

tua aura de fogo azul furando metais

Força nobre de amar visionariamente,

translucidamente

Lição de como mudar o mundo num piscar de olhos

e teu coração está no sol

Quisera eu a quentura no corpo

Leão na hora da caça,

alucinação irracional de fera: sangue e coração

Repousa leve como um pássaro

a energia que largou teu corpo

De cansada!

Em que barca Dante te levou e te traiu?

Tua mãe te cuspiu!

Alma errante,

filho de ninguém que se mutilou

Fostes encimentado entre as pedras mudas

sob delírios de febre e letargia

Brutal ossificação cerebral,

eternização infernal

Iluminações obstinadas

no queimor da solidão

Um comentário:

Flávia disse...

...e como amávamos! estou emocionada Ale! Feliz por nos reencontrarmos aqui. Voltarei sempre... ainda há muito o que ler e sentir. Muitos beijos @-)--